Assumir o compromisso

Quase todos os praticantes de meditação estão de acordo: custa começar a praticar, sentar, fazer disso um hábito, um ritual, uma rotina no nosso dia-a-dia.

É importante refletir na nossa motivação, rever prioridades, mas também assumir um compromisso para connosco – e para reforçar o compromisso, assumi-lo perante outros. Por isso este desafio – para praticarmos juntos e integrar a prática na nossa vida.

Porquê meditar?

Dito simplesmente, a prática regular de meditação permite desenvolver a consciência do momento presente, trazendo mais clareza, espaço e amizade à relação que temos connosco, com os outros e com o mundo.

Onde nos vamos encontrar

Diariamente, às 8:30 haverá uma sessão de prática através da plataforma Zoom (as sessões ficam gravadas para quem não possa participar no horário previsto); 

Duração do desafio de 2 a 31 de Janeiro de 2024

A quem pode interessar

A quem quer mesmo estabelecer uma prática pessoal, seja principiante ou praticante com mais experiência – pois um dos principais desafios é assumir um compromisso e manter uma prática regular.

O trajeto que vamos seguir

Semana 1: Estabelecer uma rotina

Dias 1-7:  Vamos praticar a consciência do momento presente, e focar na respiração. Vamos experimentar praticar nas diferentes posições (sentada/o, deitada/o, em pé, em andamento) .

Semana 2: Explorar as técnicas

Dias 8-14: Vamos experimentar diferentes técnicas de meditação, como a atenção plena (mindfulness) à respiração e ao corpo, body scan, meditação de bondade amorosa (metta). Reserve pelo menos 15 minutos por dia para praticar a técnica que mais ressoar em si.

Semana 3: Aprofundar a prática

Dias 15-21: Aumentar gradualmente o tempo de meditação para 20-25 minutos por dia. Vamos focar na postura, respirar profundamente e relaxar ainda mais durante a prática. Vamos explorar meditações mais específicas, para reduzir o stresse, cultivar a gratidão e equanimidade (atenção aberta).

Semana 4: Consolidar e continuar

Dias 22-30: Vamos aumentar a prática formal para 30 minutos por dia. Se possível, reserve um tempo após cada sessão para refletir sobre como a meditação tem impacto na sua vida diária. Pode ser útil manter um diário para registar as suas experiências e descobertas.

Durante todo o desafio, lembre-se da importância da consistência e da paciência consigo mesma/o. Se um dia for mais desafiador, não se culpabilize. O objetivo é desenvolver um hábito saudável e encontrar paz interior, não é “autoflagelar-se”.

 

Práticas guiadas

Semana 1

Semana 2

Semana 3

Semana 4

Dia 0 - a prática começa no dia anterior

Estabelecer o propósito

Antes de iniciar o desafio, agora mesmo, ou antes de adormecer, decida a que horas e quanto tempo vai sentar-se e meditar. Se participar na sessão da manhã, já está decidido, mas se preferir praticar por si ou com gravação, agende o seu tempo para a prática. 

Refletir sobre a motivação

O mestre zen Shunryu Suzuki dizia: “o mais importante é saber o que é mais importante”. E é importante refletir sobre a intenção com que fazemos algo, recordar o que é importante para nós e como a meditação nos pode ajudar, mas também equilibrar a nossa energia, para manter o “fòlego” da prática.

A meditação talvez seja a única coisa que fazemos que não acrescenta nada ao quadro. Quando nos sentamos para meditar, podemos conetar-nos com algo incondicional, um estado de espírito, um ambiente fundamental que não agarra nem rejeita. Tudo tem permissão para vir e ir sem enfeites. A meditação é uma ocupação totalmente não violenta e não agressiva. Não preencher o espaço, permitir a possibilidade de se conetar com a abertura incondicional – isso oferece a base para a mudança real. Quanto mais nos sentamos com essa impossibilidade, mais descobrimos que, no fim de contas, ela é sempre possível.

Pema Chodron Confortable with uncertainty

Dia 1 Vinte e Quatro novas horas

O desafio de hoje será perceber como a nossa atenção transforma a experiência. O que muda quando estamos presentes? O que aprendemos com a prática de atenção?

Hoje não será propriamente uma prática formal de meditação, mas uma prática informal de estarmos mais conscientes do momento presente, em vez de perdidas/os na nossa cabeça. O que acontece quando olhamos, cheirarmos saborearmos, escutamos, tocamos… usando os nossos vários sentidos em plena consciência?

Mindfulness logo de manhã 

 Logo ao acordar, mesmo antes de sair da cama, leve a sua atenção para a respiração. Observe 5 respirações conscientemente.

  • Note as mudanças na sua postura. Tome consciência de como o corpo e a mente se sentem ao mover-se – da posição deitada, para sentada, levantada, em andamento. Note de cada vez que faz a transição de uma postura para outra.
  • E quando notar um pássaro a cantar, um carro a passar, uma gargalhada, o vento, uma porta a bater, é a vida a acontecer, preste atenção!

Nota: ajuda ter um diário para acompanhar este desafio

“Todas as manhãs, quando acordamos, temos vinte e quatro novas horas para viver. Que presente precioso! Temos a capacidade de viver de uma forma que estas vinte e quatro horas tragam paz, alegria e felicidade para nós e para os outros.

A paz está presente aqui e agora, em nós mesmos e em tudo o que fazemos e vemos. A questão é se estamos ou não em contacto com isso. Não precisamos viajar para muito longe para desfrutar do céu azul. Não precisamos sair da nossa cidade ou mesmo do nosso bairro para apreciar os olhos de uma criança. Até o ar que respiramos pode ser fonte de alegria.

Podemos sorrir, respirar, caminhar e fazer as refeições de uma forma que nos permita estar em contacto com a abundância de felicidade que está disponível. Somos muito bons a preparar-nos para viver, mas não muito bons a viver. Sabemos sacrificar dez anos por um diploma e estamos dispostos a trabalhar muito para conseguir um emprego, um carro, uma casa e assim por diante. Mas temos dificuldade em lembrar que estamos vivos no momento presente, o único momento que existe para estarmos vivos.

Cada respiração que damos, cada passo que damos, pode ser preenchido com paz, alegria e serenidade. Precisamos apenas estar acordados, vivos no momento presente.”

​Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step

Prática de apreciação

“Pode desenvolver apreciação todos os dias um pouquinho. Então, talvez possa perceber que está vivo. Aprecie a sua respiração: “Maravilhoso, eu respiro! Que bom!”. Ou quando vê algo, aprecie que é capaz de ver. Tem olhos maravilhosos, pode ver as árvores, montanhas, casas, pessoas. Aprecie que é capaz de ver, aprecie que é capaz de ouvir, aprecie ter comida e que é capaz de comer. Essas são as coisas básicas que já existem dentro de si, normalmente não apreciamos e damos como essas coisas adquiridas. Então, agora, comece a ver essas coisas.

Algumas pessoas podem pensar: “Eu não tenho nada para apreciar, não tenho nenhuma bondade dentro de mim”. Mas na verdade tem: tem a capacidade de pensar “Eu não tenho bondade”, e isso é maravilhoso! Certo? É capaz de pensar “Eu não tenho bondade”, e ser capaz de pensar é bom, e pode apreciar isso! Pode fazer pelo menos três apreciações a cada dia. Faça esta pequena prática e encontre todos os dias algo novo. Pode encontrar diferentes objetos de apreciação, dia a dia.”
—Yongey Mingyur Rinpoche

Prática gravada dia 1

Cada momento é um novo ano, cada respiração uma nova vida, cada batida do coração um passo num novo mundo.
~Amy Hollowell~

Prática e contemplação do texto Vinte e Quatro Novas Horas

Como nutrir a prática de meditação

Alguns pontos importantes para manter uma prática:

  1. Praticar diariamente, mesmo que seja por um curto espaço de tempo.

O poeta Rumi perguntava: “fazes visitas regulares a ti mesmo?”

Um hábito cria-se pela repetição. E se queremos criar novos hábitos, novos caminhos na nossa mente-coração,  é importante manter uma prática regular, mesmo que sejam só cinco ou dez minutos por dia. E em vez de deixar que as nossas disposições e “apetites” controlem a nossa prática, ajuda preestabelecer um tempo e espaço para a meditação formal no nosso dia-a-dia. E “just do it”.

  1. Uma questão de atitude

Uma das razões que leva muitas pessoas a deixar de meditar são os julgamentos sobre como praticam e sobre a própria experiência. Praticamos “prestar atenção”, mas esta atenção não é algo apenas cognitivo, ou simplesmente concentração. O que é transformador é a atitude, as qualidades que trazemos e cultivamos com a prática.

É importante tomar consciência da frustração, da autocrítica, do “devia” ou “tenho de” e como isso se pode sentir como uma contração e um fechamento. Em vez de mais uma tarefa no nosso dia-a-dia já bastante ocupado, lembrar que escolhemos cultivar mindfulness porque nos importamos em viver mais perto do nosso coração. No início de cada sessão de prática, lembre por que é importante para si meditar. E depois estabeleça a intenção de aceitar e trazer gentileza para o processo, para seja o que for que surja. Aceitação e gentileza são as qualidades primeiras para estabelecer uma prática de meditação – permitindo cultivar uma relação de amizade com a prática e com nós mesmos.

Procuramos aceitar a experiência de meditação tal como ela é, tal como ela surge. E da mesma maneira que um cultivador lança a semente no campo, lhe dá as condições para que se desenvolva e o tempo necessário para que cresça, sem esperar que amadureça mais depressa do que o que é natural, não podemos também criar expetativas em demasia.

Esta amizade também implica a curiosidade, o interesse e até o sentido de humor em relação a tudo o que surja – seja isso agradável ou desagradável.

  1. Qual é a minha prática?

A professora e psicóloga Shauna Shapiro lembra que aquilo a que damos atenção torna-se mais forte. Por isso podemos reforçar a consciência da nossa atitude, lembrando qual é o nosso treino. Se queremos  praticar frustração, autocrítica, etc.,  ou se queremos reforçar e fazer crescer paciência, aceitação, leveza, liberdade. Qual é a minha prática? – é uma pergunta essencial.

  1. Começar pela atenção à postura

É possível meditar em qualquer posição: sentados, deitados, em pé, em andamento. E a prática começa pelo corpo, pois corpo e mente não são coisas separadas.   

Para sentar, pode escolher uma cadeira, um tapete, uma almofada ou um banco de meditação. De preferência de costas direitas, alerta, desperta/o, relaxada/o. As mãos repousam confortavelmente  nas pernas, nos joelhos ou no regaço. Os olhos podem estar fechados ou entreabertos, o olhar relaxado. E durante a prática, verifique e ajuste a postura se necessário. É uma forma de estabilizar e voltar ao presente através dos nossos sentidos, sobretudo se damos por nós distraídas/os. É também importante notar os nossos hábitos de contração, frequentemente nos ombros e nos maxilares, e ao notar essa tensão, afrouxar, soltar.

Através da consciência da postura, entramos no caminho da prática. E a meditação não é apenas manter o corpo numa posição correta e conservar a mente calma quando sentados, a meditação é prolongar o estado de uma mente tranquila nessa e noutras situações e transparece na atenção e na consciência com que vivemos sob as mais diferentes condições.

  1. Aterrar no corpo

Ao tomar consciência do corpo e das sensações, saímos da nossa cabeça e estamos com a nossa experiência. Podemos conetar com a vitalidade, a abertura e o relaxamento da nossa presença.  

E começar com um sorriso. Um leve sorriso envia uma mensagem de conforto e à-vontade a todo o sistema. Ao sorrir, dizemos ao nosso corpo que está tudo bem.  E podemos depois fazer uma breve rastreio pelo corpo, uma breve exploração, suavizando pontos de tensão, relaxando.  E ao relaxar, tomar consciência das sensações, da energia que se move através do corpo.

  1. Escolher uma âncora

Uma âncora permite ter um lugar onde voltar, é uma base de estabilidade onde se pode apoiar quando nota que se distraiu ou se perdeu  em pensamentos.

Algumas das âncoras que pode usar:

  • A respiração. Pode pousar a atenção nas sensações da passagem do ar pelas narinas, ou o subir e descer da barriga ao respirar, ou as sensações de expansão e contração no peito. Para alguns, pode ser útil estar com a experiência de todo o corpo a respirar.
  • O corpo. Pode pousar a atenção numa parte específica do corpo, por exemplo, as mãos, os pés, a barriga ou o peito,o contacto com o assento. Pode combinar a atenção ao corpo com a respiração. E em momentos de maior distração ou agitação, pode notar pontos do corpo que habitualmente não nota – as sensações e o movimento das clavículas com a respiração, ou a sensações nas costas ou na zona intercostal.
  • Sons – Simplesmente escutar os sons conforme surgem e passam, tentando estar o mais possível com a experiência direta dos sons enquanto sons.
  1. O treino é voltar

Embora procuremos com a meditação acalmar a mente, prevalece frequentemente o mal-entendido de que o objetivo da meditação é libertar-se dos pensamentos, “esvaziar a mente”. O mestre tibetano Mingyur Rinpoche lembra que a essência da meditação é consciência. Não se trata de tentar deixar de pensar, de bloquear pensamentos, pois isso é inglório!  E em vez de se criticar por se distrair, ao notar que se distraiu, traga interesse e amizade para essa mudança da atenção dos pensamentos para a presença, e relaxe. Lembre: a essência da meditação é consciência, e quando tem consciência da distração, já deixou de estar distraída/o. Volte assim a atenção para os sons, as sensações e até emoções e pensamentos que possam estar a acontecer no presente. Permita que a âncora permaneça em primeiro plano e note a transitoriedade da sua experiência momento a momento.   

  1. Aprofundar a presença com duas perguntas:
  • Qual a minha experiência agora? O que está a acontecer em mim agora?

Isto ajuda a direcionar a atenção para a experiência interior. Pode experimentar notar e nomear as ondas mais fortes da sua experiência, — “impaciência” “preocupação” “agitação” “contração” “sons” “julgamentos” — como uma forma de cultivar uma presença mais desperta e clara e também de não se identificar com a experiência ou os fenómenos. Pois não somos os fenómenos, mas sim a consciência que observa…

  • Posso estar com o que está?

Isto vai ajudar a relacionar-se com o que quer que esteja a surgir com aceitação.  Depois de nomear a experiência (irritação, preocupação, receio) pode experimentar a “meditação do sim” sussurrando interiormente “sim” a seja o que for que surja na consciência.

  1. Lembrar a gentileza

Se surgirem emoções difíceis ou perturbadoras, lembre de cuidar de si com gentileza e bondade. Pode fazer algum tipo de gesto tranquilizador, como colocar a mão ou as duas mãos no peito ou noutra zona do corpo que considere reconfortante. Jon Kabat-Zin dizia que em vez de Mindfulness poderíamos dizer Heartfulness pois são inseparáveis: e quanto mais trouxermos essas qualidades para a nossa prática, para a relação que estabelecemos connosco e com a nossa experiência, mais rica e carinhosa é a relação que estabelecemos connosco e com o mundo à nossa volta.

  1. Tudo é uma questão de perceção

 “Tudo está estreitamente ligado à perspetiva que escolhemos adotar. Com um estado de espírito positivo, podemos transformar todas as atividades. Mesmo as tarefas fastidiosas tornam-se interessantes, e as tensões interiores que elas ocasionavam antes desaparecem… No princípio, é preferível sentarmo-nos para nos habituarmos a tomar consciência da inclinação da nossa mente. Quando despejamos água lamacenta num recipiente, é preciso deixar decantar para que ela reencontre a sua limpidez. Estando alguns instantes tranquilos e sem tensões, vemos melhor dentro de nós mesmos. Com tempo, essa faculdade torna-se natural. Conscientes do que se passa na mente, não nos deixamos mais ser assaltados por sentimentos negativos ou por sonhos inúteis que não se realizam nunca.

A calma irá estabelecer-se gradualmente, para tornar-se habitual, depois natural. O exame da motivação faz-se então de maneira espontânea, mesmo em plena atividade, o que é precioso se temos intenção de pisar terrenos férteis em conflitos como o trabalho e a família; aí onde outrora a mente  teria sido solicitada em várias direções, será mais fácil ficar calmo e construtivo.”

Diamant de Sagesse, Tulku Pema Wangyal

Mais do que tornar-se numa melhor pessoa, ou até numa pessoa desperta, a prática da meditação permite ver como nos relacionamos com o nosso estado desperto já existente.  E para isso precisamos de confiança, mas também de abertura.

Chögyam Trungpa

Dia 2 - meditação do sorriso

Meditação do Sorriso


A prática não é só prestar atenção. Aceitação e gentileza são qualidades essenciais para estabelecer uma prática de meditação – permitindo cultivar uma relação de amizade com a prática, com a nossa experiência, com nós mesmos.

Mas uma forma muito simples de trazer as qualidades que procuramos para a nossa prática é sorrir. Pode ser um leve sorriso, ou simplesmente levantar ligeiramente os cantos dos lábios, e perceber o impacto que isso tem no corpo e na mente. 

Mindfulness no dia-a-dia 

  •  Várias vezes ao longo do dia, pare e observe 5 respirações conscientemente.
  • Antes de comer ou beber algo, deixe-se estar um momento e note a respiração. É também um bom momento para tomar consciência do alimento que tem à sua frente, de como está relacionado com tudo o que fez crescer. Pode ver o sol, a chuva, pode tomar consciência de quantos seres e condições contribuíram para que possa saciar a sua fome e sede, e agradeça! Consuma o alimento conscientemente para a sua saúde física, notando textura, cores, cheiro, e saboreando-o plenamente.
  • Esteja presente a atividades diárias como lavar os dentes, tomar duche, escovar ou pentear o cabelo, calçar sapatos, etc.

Sugestão: depois de uma prática ou a qualquer momento do dia escreva sobre as suas descobertas mas também desafios ou dúvidas

O dente-de-leão tem o meu sorriso

Se uma criança sorri, se um adulto sorri, isso é muito importante. Se na nossa vida de todos os dias  podemos sorrir, se pudermos estar em paz e felizes, não só nós, mas todos lucrarão com isso. Se realmente sabemos viver, que melhor maneira começar o dia do que com um sorriso?

O nosso sorriso afirma a nossa consciência e determinação de viver em paz e alegria. A fonte de um sorriso verdadeiro é uma mente desperta.

Como se lembrar de sorrir ao acordar? Pode pendurar um lembrete – como um galho, uma folha, uma pintura ou algumas palavras inspiradoras – na sua janela ou no teto acima da cama, algo que possa ver ao acordar. Depois de desenvolver a prática de sorrir, talvez não precise de um lembrete. Vai sorrir ao ouvir um pássaro a cantar ou ao ver a luz do sol a entrarpela janela. Sorrir ajuda a abordar o dia com gentileza e compreensão.

Quando vejo alguém sorrir, sei imediatamente que ele ou ela está a habitar a consciência. Este meio sorriso, quantos artistas trabalharam para trazê-lo aos lábios de inúmeras estátuas e pinturas? Tenho a certeza de que o mesmo sorriso deve ter estado nos rostos dos escultores e pintores enquanto trabalhavam. Pode imaginar um pintor furioso a fazer nascer esse sorriso? O sorriso da Mona Lisa é leve, apenas uma sugestão de sorriso. No entanto, mesmo um sorriso como esse é suficiente para relaxar todos os músculos do rosto, para banir todas as preocupações e fadiga. Uma pequena amostra de sorriso nos nossos lábios nutre a consciência e acalma-nos milagrosamente. Devolve-nos a paz que pensávamos ter perdido.

O nosso sorriso trará felicidade para nós e para aqueles que nos rodeiam. Mesmo se gastamos muito dinheiro em presentes para toda a nossa família, nada que compramos pode dar-lhes tanta felicidade quanto o dom da nossa consciência, do nosso sorriso.

E este presente precioso não custa nada.

No final de um retiro na Califórnia, uma amiga escreveu este poema:

Eu perdi o meu sorriso,

mas não se preocupe.

O dente-de-leão guardou-o.

Se perdeu o sorriso e ainda é capaz de ver que um dente-de-leão o guarda para si, a situação não é assim tão má. Ainda tem atenção suficiente para ver que o sorriso não se perdeu. Só precisa respirar conscientemente uma ou duas vezes e poderá recuperar o seu sorriso.  O dente-de-leão é um membro da sua comunidade de amigos. Está aí, bastante fiel, a guardar o seu sorriso.

Na verdade, tudo ao seu redor guarda o seu sorriso. Não precisa de se sentir isolado. Só precisa de se abrir ao apoio que está ao seu redor e em si. Como a amiga que viu que o sorriso dela era mantido pelo dente-de-leão, pode também respirar conscientemente e o seu sorriso vai voltar.

​Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step

Prática gravada dia 2

A capacidade de relaxar não está dependente de atividades e lugares, é um cultivar interno da capacidade de estar em paz consigo e com o mundo.

Mingyur Rinpoche, A Alegria de Viver

Dia 3 - respiração consciente

Os principiantes, mas igualmente os praticantes mais experientes, precisam de uma âncora ou suporte que os ajude a não se dispersarem em pensamentos e emoções.  As técnicas mais usadas incluem a atenção a suportes como as sensações do corpo, a respiração, os sons… e imagens. E aos estarmos presentes à respiração podemos simplesmente notar as sensações de respirar, mas algumas pessoas podem achar útil, sobretudo se sentirem muita agitação, contar a respiração ou  usar palavras “âncora” que repetem levemente, como se pratica na tradição do zen vietnamita de Thich Nhat Hahn.

O primeiro exercício é muito simples.  Enquanto inspira, diz para si mesma/o: “Ao Inspirar, eu sei que estou a inspirar”.  E na expiração, diz: “Ao expirar, eu sei que estou a expirar”.
Apenas isso. Reconhecer a inspiração enquanto inspiração e a expiração enquanto expiração. Nem precisa recitar a frase inteira; pode usar apenas duas palavras: “In” e “Out”. Ou “Inspirar” e “Expirar”.

Essa técnica pode ajudá-la/o a manter a atenção na respiração. À medida que pratica, a respiração tornar-se-á pacífica e gentil, e a mente e o corpo também se tornarão pacíficos e gentis. Esse não é um exercício difícil. Em apenas alguns minutos pode receber o fruto da meditação.

Inspirar e expirar é muito importante e agradável. A nossa respiração é a ligação entre o corpo e a mente. Às vezes a nossa mente está a pensar numa coisa e o corpo está a fazer outra, e mente e corpo não estão unificados.  
Ao nos concentrarmos na respiração, “Inspirar” e “Expirar”, juntamos corpo e mente novamente, tornam-se inteiros novamente. A respiração consciente é uma ponte importante. Para mim, respirar é uma alegria que não posso perder. Todos os dias pratico a respiração consciente. Na minha pequena sala de meditação, caligrafei esta frase: “Respire, está vivo!” Apenas respirar e sorrir pode fazer-nos muito felizes, porque quando respiramos conscientemente recuperamo-nos completamente e vamos ao encontro da vida no momento presente.

Momento Presente, Momento Maravilhoso

Na nossa sociedade tão ocupada, é uma grande sorte respirar conscientemente de vez em quando. Podemos praticar a respiração consciente não apenas enquanto estamos sentados na sala de meditação, mas também enquanto trabalhamos no escritório ou em casa, enquanto sentados no metro ou autocarro, onde quer que estejamos, a qualquer hora do dia.

Existem tantos exercícios que podemos fazer para nos ajudar a respirar conscientemente. Além do simples exercício “In-Out” (inspirar, expirar), podemos recitar estas quatro linhas silenciosamente enquanto inspiramos e expiramos:

Ao inspirar, acalmo o meu corpo. 

Ao expirar, eu sorrio.

Habitando o momento presente, 

Eu sei que este é um momento maravilhoso!

“Ao inspirar, acalmo o meu corpo.” Recitar esta frase é como beber um copo de limonada fresca num dia quente –  pode sentir o frescor permear o seu corpo.

Quando inspiro e recito esta frase, sinto a minha respiração a acalmar o meu corpo e mente.

“Ao expirar, eu sorrio.” Um sorriso pode relaxar centenas de músculos da cara. Ter um sorriso no rosto é sinal de que é mestre de si mesmo.

“Morar no momento presente.” Enquanto estou sentado aqui, não penso em algo mais. Sento-me aqui e sei exatamente onde estou.

“Eu sei que este é um momento maravilhoso.” É uma alegria sentar-se, estável e à vontade, e
voltar à nossa respiração, ao nosso sorriso, à nossa verdadeira natureza.  O nosso compromisso com a vida está no momento presente. Se não tivermos paz e alegria agora mesmo, quando teremos paz e alegria – amanhã ou depois de amanhã?

O que está, impede de sermos felizes agora? À medida que seguimos a respiração, podemos dizer simplesmente: “Acalmar, Sorrir, Momento presente, Momento maravilhoso.”

Este exercício não é apenas para principiantes. Muitos de nós que praticamos meditação e respiração consciente há quarenta ou cinquenta anos continuamos a praticar da mesma forma, porque esse tipo de exercício é muito importante e tão fácil.

 

Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step 

Pensar menos

Enquanto praticamos a respiração consciente, o nosso pensamento ficará mais lento e podemos oferecer-nos um verdadeiro descanso. Na maioria das vezes, pensamos demais e a respiração consciente ajuda-nos a ficar calmos, relaxados e em paz. Isso ajuda a parar de pensar tanto e parar de ser possuído pelas tristezas do passado e preocupações com o futuro. Permite-nos estar em contacto com a vida, que é maravilhosa no momento presente.

É claro que pensar é importante, mas grande parte do nosso pensamento é inútil. Isto é como se, na nossa cabeça, cada um de nós tivesse uma “playlist” que está sempre a rodar, dia e noite. Pensamos nisto e pensamos naquilo, e é difícil parar. Com um aparelho, basta pressionar o botão para parar. Mas com os nossos pensamentos, não temos nenhum botão. Podemos pensar e preocupar-nos tanto que não podemos dormir. Se formos ao médico para tomar alguns comprimidos para dormir ou tranquilizantes, estes podem piorar a situação, porque não descansamos durante esse tipo de sono, e se continuarmos a usar essas drogas, poderemos tornar-nos dependentes. Continuamos a viver tensos e podemos ter pesadelos. De acordo com o método da respiração consciente, quando inspiramos e expiramos, paramos de pensar, porque dizer “dentro” e “fora” (ou “inspirar, expirar”) não é pensar – “dentro” e “fora” são apenas palavras que nos ajudam a concentrar-nos na respiração. Se nós continuamos a inspirar e expirar dessa maneira por alguns minutos, vamos refrescar. Vamos renovar-nos e podemos ir ao encontro das coisas bonitas ao nosso redor no momento presente. O passado terminou, o futuro ainda não chegou. Se não voltarmos a nós mesmos no momento presente, não poderemos estar em contacto com a vida.

Quando estamos em contacto com os elementos refrescantes, pacíficos e curativos dentro de nós e ao nosso redor, aprendemos a valorizar e proteger essas coisas e fazê-las crescer. Esses elementos de paz estão disponíveis para nós a qualquer momento.

​Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step 

Mindfulness no dia-a-dia
 

  • Tome consciência do corpo ao estar de pé e andar. Note a postura, note as sensações do contacto do corpo com o solo. Sinta o ar na cara, nos braços, nas pernas, ao andar. Está com pressa?


Sugestão depois de uma prática ou a qualquer momento do dia escreva sobre as suas descobertas mas também desafios ou dúvidas

Prática gravada dia 3

É importante reconhecer que independentemente do que esteja a acontecer ou venha a acontecer, este é o único momento que temos para ser, para escolher, para sermos livres.

Então, por que não dar-lhe toda a nossa atenção?

Dia 4 - encontrando o seu chão

Explorar diferentes âncoras no corpo

Nestas primeiras semanas estamos sobretudo a treinar estabilizar a atenção, usando o corpo e a respiração como âncoras. Nesta sessão, vamos igualmente explorar âncoras alternativas para a nossa atenção; não só a respiração, mas também os pés, o contacto com o assento, as mãos.

Tempestades súbitas

As dificuldades podem surgir a qualquer momento, e podemos sentir como se essas dificuldades se apoderassem de nós, podemos sentir frustração, descontentamento, impotência… tantas coisas. E quando isto acontece, talvez começar por ser mais gentis connosco, fazendo uma respiração mais profunda, levando a atenção na expiração para os pés, as sensações de contacto com o chão. Encontrar o nosso chão, como uma forma de estabilizar, e talvez a partir daí ser capaz de fazer uma escolha em relação ao que fazer a seguir. E podemos manter a atenção nos pés ou expandi-la para todo o corpo, dando um recipiente maior, mais espaço, para conter a dificuldade, respirando com ela. E talvez trazer a atenção a seguir para o ambiente à volta e nomear internamente os objetos que observamos.

Nutrindo a consciência a cada momento

Numa noite fria de inverno, voltei para casa depois de uma caminhada nas colinas e descobri que todas as portas e janelas do meu eremitério estavam abertas. Quando saí mais cedo, não as havia fechado com segurança e um vento frio soprou pela casa, abriu as janelas e espalhou os papéis da minha mesa por toda a sala. Imediatamente fechei as portas e janelas, acendi um candeeiro, peguei os papéis e arrumei-os ordenadamente na minha mesa. Então acendi o fogo na lareira e logo o crepitar da lenha trouxe calor de volta para o quarto.

Às vezes, no meio de uma multidão, sentimo-nos cansados, com frio e solitários. Podemos desejar retirar-nos para ficarmos sozinhos e nos aquecermos novamente, como fiz quando fechei as janelas e me sentei perto do fogo, protegido do vento frio e húmido. Os nossos sentidos são as janelas para o mundo, e às vezes o vento sopra através delas e perturba tudo dentro de nós. Alguns deixam as janelas abertas o tempo todo, permitindo que as imagens e os sons do mundo os invadem, os penetram e exponham o seu eu triste e perturbado. Podemos sentir-nos frios, solitários e com medo. Já deu por si  a assistir a um programa ou a uma série de televisão horrível sem a conseguir desligar?  Os barulhos estridentes, as explosões de tiros são perturbadores. No entanto, não se levanta e desliga. Por que se tortura dessa maneira? Não quer fechar as janelas? Tem medo da solidão – o vazio e a solidão que você pode encontrar quando se enfrenta sozinho? (…)

Enquanto meditadores principiantes, podemos querer deixar a cidade e ir para o campo para ajudar a fechar as janelas que perturbam o nosso espírito. Na natureza, podemos torna-nos um com a floresta tranquila, e redescobrir e restaurar-nos a nós mesmos, sem sermos varridos pelo caos do “mundo exterior”. Os bosques ou florestas silenciosas ajudam-nos a permanecer conscientes, e quando a nossa consciência fica bem enraizada e podemos mantê-la sem vacilar, podemos desejar voltar para a cidade e lá permanecer, menos perturbados. Mas às vezes não podemos sair da cidade, e temos que encontrar os elementos refrescantes e pacíficos que possam curar bem no meio das nossas vidas ocupadas. Podemos querer visitar um bom amigo, ou dar um passeio no parque ou à beira-mar e apreciar as árvores e a brisa fresca. Quer estejamos na cidade, no campo ou no deserto, precisamos  sustentar-nos escolhendo o ambiente cuidadosamente e nutrindo a nossa consciência a cada momento.

Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step 

Mindfulness no dia-a-dia 

  • Ao acordar, sintonize com a sua “meteorologia” interna. Que pensamentos ou emoções estão presentes? Quais as sensações no corpo? E seja o que for que esteja, veja se é possível permitir que estejam, que sejam o que são, acolhendo e abraçando, dando espaço para o que está. E vá-se levantando sem pressa, consciente dos movimentos.
  • E vamos explorar o sentido do sabor. Trazer mais atenção para os momentos de saborear um alimento, uma refeição: se é agradável, desagradável ou algo intermédio.
    .
    Vamos continuar a explorar no nosso dia as diferentes formas de focar e “encontrar o nosso chão”, tomando consciência do contacto dos pés com o chão, do corpo numa cadeira, das mãos, da respiração mas também notando o sabor da comida ou de uma bebida, integrando o treino da atenção nas diferentes situações do nosso dia.

Sugestão depois de uma prática ou a qualquer momento do dia escreva sobre as suas descobertas mas também desafios ou dúvidas.

Prática gravada dia 4

Seja onde for que estivermos durante o dia e seja o que for que estivermos a fazer, quer seja agradável ou desagradável, faz toda a diferença tomar consciência dos pés no chão, o contacto com o assento, as sensações nas mãos ou a respiração.

Encontrar apoio desta forma pode trazer-nos espaço, escolha, calma.

Dia 5 - a pausa sagrada

 “Ser um veículo para a respiração é viver a vida sem tentar controlar, agarrar, ou empurrar.” Donna Farhi

O processo de respirar é uma metáfora para a forma como abordamos a vida, como vivemos as nossas vidas, e como reagimos às mudanças inevitáveis que a vida nos traz.

Tomar consciência de respirar como um estado natural é muito diferente de controlar ou manipular a respiração através de técnicas ou exercícios rápidos.

É uma distinção essencial: a respiração é um dos processos naturais no corpo que podemos controlar voluntariamente. Contudo, a respiração natural não se consegue através de esforço ou força de vontade. E exercícios artificiais podem não ajudar – não precisamos de criar uma outra respiração, mas sim de restaurar um processo que para nós era natural na infância – natural, calmo, flexível e espontâneo.

Mindfulness no dia-a-dia

  • Pratica pausar. Não seguir todos os impulsos, notar a intenção de fazer um movimento, mesmo simples, como arranjar o cabelo, mudar de posição, coçar…. mas também ao nível da fala, não dizer a primeira coisa que ve à cabeça, estar mais presente para os outros e fazer pausas “sagradas” ao longo do dia. 

Quando temos um intervalo, quando o carro para no trânsito, quando algo não corre como esperado e temos de fazer uma pausa, não precisamos de procurar freneticamente algo para nos ocuparmos naquele momento. Não temos de estar sempre “entretidos”. Aprecie o momento. Os cheiros, os sabores, as cores, descubra todas essas tonalidades que tantas vezes nos passam ao lado. Podemos simplesmente estar.

Habituarmo-nos a parar é uma forma de nos habituarmos a desligar o piloto automático. Podemos fazer uma pausa e respirar mais profundamente duas ou três vezes. Podemos dar conta das sensações no corpo, de como nos sentimos. Ao parar, podemos trazer para a forma como olhamos as coisas e as situações um espaço novo, mais aberto e mais amplo.

 

Sentar em qualquer lugar

Quando precisa desacelerar e voltar a si mesmo, não precisa correr para casa, para a sua almofada de meditação ou para um centro de meditação, a fim de praticar a respiração consciente. Pode respirar em qualquer lugar, simplemente sentado na sua cadeira no escritório ou sentado no seu automóvel. Mesmo se estiver num shopping cheio de gente ou à espera na fila de um banco, se começar a sentir-se esgotado e precisar voltar para si mesmo, pode praticar respiração consciente, sorrindo ali em pé.

Onde quer que esteja, pode respirar conscientemente. Todos nós precisamos voltar a nós mesmos de vez em quando, para podermos enfrentar as dificuldades da vida. Podemos fazer isso em qualquer posição – em pé, sentado, deitado ou a andar. Entretanto, se puder sentar-se, a posição sentada é a mais estável.

Uma vez, eu estava à espera de um avião que estava quatro horas atrasado no Aeroporto Kennedy em Nova York, e gostei de ficar sentado de pernas cruzadas na área de espera. Enrolei a minha camisola e usei-a como almofada e sentei-me. As pessoas olharam para mim com curiosidade, mas depois de um tempo ignoraram-me e eu sentei-me em paz. Não tinha lugar para descansar, o aeroporto estava cheio de gente, então cuidei do meu conforto onde estava. Pode não querer meditar tão visivelmente, mas respirar atentamente em qualquer posição e a qualquer momento pode ajudar a renovar-se.

 

Thich Nhat Hahn, Peace is Every Step

“Como um mar infinito, temos a capacidade de abraçar as ondas da vida quando elas passam por nós. Mesmo quando o mar é agitado por ventos de insegurança, somos capazes de encontrar o caminho para casa. Somos capazes de descobrir a nossa espaçosa e desperta consciência no meio das ondas.”

 

(Tara Brach)

Prática gravada dia 5

Basta. Estas poucas palavras bastam.
Se não estas palavras, esta respiração.
Se não esta respiração, esta presença.
Esta abertura à vida
Que recusamos
Vezes sem conta
Até agora.
Até agora.

(David Whyte)

Dia 6 - abrir-se ao mistério

Caminhar na terra

As pessoas geralmente consideram caminhar sobre a água ou no ar um milagre. Mas penso que o verdadeiro milagre não é andar nem sobre as águas nem no ar rarefeito, mas caminhar na terra. Todos os dias vivemos um milagre que nem reconhecemos: um céu azul, nuvens brancas, folhas verdes, os olhos curiosos de uma criança – os nossos próprios olhos. Tudo é um milagre.

Thich Nhat Hahn, The Miracle of Mindfulness

O sabor da Tangerina

As pessoas estão sempre à espera de grandes emoções. Experiências extraordinárias. Muitas pessoas chegam ao Zen à espera que a Iluminação seja a experiência mais extraordinária de todas. A Mãe de todas as experiências. Mas não há nada de mais comum do que a verdadeira iluminação. Uma vez tive uma visão incrível. Vi-me a ser transportado através do tempo e espaço. Milhões, não, biliões, triliões, godziliões de anos tinham passado. Não figurativamente, mas literalmente. Num relâmpago. Vi-me no limiar do tempo e do espaço, um gigante imenso, composto pelas mentes e corpos de tudo o que alguma vez existiu. Foi uma experiência incrivelmente comovente. Exaltante. Fiquei nas nuvens durante semanas. Finalmente falei a sensei Nishijima sobre isso. Ele disse que era um disparate. Nada mais do que a minha imaginação. Fiquei de rastos. Imaginação? Esta era uma experiência tão real como qualquer outra que já tivesse vivido. Estava quase a chorar. Mais tarde nesse dia estava a comer uma tangerina. Notei o quanto era incrivelmente deliciosa. Tão delicada. Tão espantosamente laranja. Tão saborosa. Falei a Nishijima sobre isso. Essa experiência, disse ele, era a iluminação.

Brad Warner, Zen is Boring

Mindfulness no dia-a-dia 

  • sugestão: comer e saborear uma tangerina em plena consciência
  • caminhar com atenção plena

Prática gravada dia 6

“Basta um lembrete para respirar, um momento para ficar quieta e, simplesmente assim, algo em mim se acalma, suaviza, abre espaço para a imperfeição. A voz áspera do julgamento transforma-se num sussurro e lembro novamente que a vida não é uma corrida de estafetas; que todos cruzaremos a linha da chegada; que acordar para a vida, é para isso que nascemos. Quantas vezes eu esqueço, dou por mim a avançar sem nem saber para onde vou, esqueço que muitas vezes posso fazer a escolha de parar, de respirar, de ser, e caminhar devagar.

(Danna Faulds)a

Abrir-se ao mistério (segundo instruções de Tara Brach)

 

Dia 7 - fazer amizade e reunir a mente dispersa

a pausa: fazer amizade com a mente e trazê-la de volta

O “trabalho” da mente é pensar, planear, avaliar, lembrar… e durante a meditação continua a recordar, a planear e a preocupar-se. Podemos pensar que não somos “bons” a meditar porque não podemos deixar de pensar. O treino da atenção não tem a ver com desligar ou “esvaziar” a mente. Em vez disso, a prática da meditação, dá-nos estabilidade para podermos dar um passo atrás e ter mais consciência dos nosso padrões. E quando damos conta que a mente não está onde gostaríamos que estivesse, isso em si já é o treino, pois ao darmo-nos conta da distração, já “acordamos” e temos mais escolha.

Não é necessário forçar e tentar bloquear a atividade mental. Em vez disso, podemos trazer mais luz, mais consciência à nossa experiência para podermos ver mais claramente os padrões da mente. A meditação de hoje permite-nos explorar mais completamente o momento em que nos damos conta que a mente não está onde gostaríamos que estivesse.  

Observe a sua reação quando descobre que a mente divagou. Como volta à respiração (ou outro suporte que esteja a utilizar)? É muito comum voltar “ a correr” como se estivessemos a fazer algo errado.

Se for esse o caso, ao perceber que a mente divagou, faça uma pausa deliberada por um momento. Pode até agradecer à sua mente, afinal, ela está a fazer o trabalho dela, está a fazer o melhor que pode.

Então, quando sentir que é o momento, desacelere intencionalmente o movimento de voltar para a respiração, voltando primeiro a ancorar no corpo como um todo, antes de voltar a atenção para a sua âncora (a respiração ou outra)

Quando percebe que a mente divagou, ao fazer uma pausa, está a reservar um tempo para recuar um pouco e reconhecer para onde a mente foi. Começa a familiarizar-se com a atividade da mente, a ver os padrões e os lugares para onde ela volta repetidamente nas suas tentativas de ajudar a resolver os seus problemas. Se, nesses poucos momentos, conseguir trazer um sentimento de gratidão e maravilha para a mente e o que ela faz por si, está a mudar a forma como se relaciona com a própria mente, cultivando uma atitude de bondade em vez de frustração.

Esta atitude de bondade mantém-se quando guia a mente de volta, primeiro para o corpo como um todo, e depois para a sua âncora.

Desta forma, está a cultivar dois aspetos da prática: primeiro, fazer amizade com a mente; e em segundo lugar, reservar um tempo para dar um passo atrás e ver mais claramente que é mais do que os pensamentos e sentimentos que passam pela sua mente.

Mindfulness no dia-a-dia

Veja se consegue fazer pausas ao longo do dia para entrar em sintonia com a sensação do mundo ao seu redor. Concentrando-se numa “porta dos sentidos” (sabor, visão, tato, olfato ou audição), passando alguns momentos registando sensações e a observar se são agradáveis ou desagradáveis, ou algo de intermédio. Pode ajudar manter a sua âncora predileta em pano de fundo, enquanto pratica desta maneira.

Prática gravada dia 7

Lembrar que o corpo e a respiração estão sempre disponíveis para ajudar a fazer uma pausa, oferecendo um lugar de quietude no meio do dia-a-dia.

Dia 8 - a tonalidade das sensações

Ontem praticamos fazer uma pausa deliberada sempre que percebemos que a mente divaga. Hoje vamos aproveitar esta pausa para explorar mais detalhadamente o momento em que vemos que a mente se retirou do foco escolhido. Quando isso acontece, veja se é possível notar gentilmente qual a sensação criada pela distração no corpo ou na mente. É agradável, desagradável ou nem uma coisa nem outra? O nome (em pali e sânscrito) atribuído a esta sensação instantânea de prazer ou desagrado é “vedana”, uma palavra que não tem uma boa tradução em português e provavelmente noutras línguas. Em inglês é geralmente traduzida por“feeling tone”, a tonalidade da sensação  que surge quando os nossos sentidos entram em contacto com objetos (internos ou externos) e a consciência correspondente. Esta “tonalidade” pode ser muito subtil e convém investigá-la pois está na base da forma como nos relacionamos com tudo. A partir do momento em que sentimos a experiência como agradável, desagradável ou neutra, vamos reagir de uma forma ou de outra.

Para esta investigação, somos convidad@s a ir notando a nossa experiência enquanto agradável, desaradável ou neutra. Ouvimos um pássaro a cantar, provavelmente vamos registar “agradável”, sentimos uma dor nas costas, “desagradável”… Não precisamos de pensar muito, só vamos anotando mentalmente a “tonalidade” ou tom da sensação. E por vezes podemos achar que não há feeling tone, e também está bem.

E mais especificamente, por que é útil tornar-se mais consciente da sensação de prazer ou desagrado das coisas? Porque qualquer coisa que desperte uma sensação agradável tende a levar, no momento seguinte, a um desejo de que a sensação, pensamento ou sentimento se mantenha, fique por mais tempo ou volte em breve. Por outro lado, qualquer coisa com um aspeto desagradável e a correspondente tonalidade de desagrado, tende a produzir uma reação de “aversão”: afastamento, resistência ou querendo que isso pare. E eventos que não são nem agradáveis ​​nem desagradáveis ​​tendem a ser seguidos por um “desligamento” ou tédio, seguido por uma busca por mais estímulos.

Assim como um termómetro regista constantemente a temperatura, ou um barómetro regista a pressão do ar, quer olhe para ele ou não, tudo o que entra em contacto com o corpo (através da visão, som, paladar, toque ou cheiro) tem um “feeling tone”. O mesmo acontece com tudo o que surge na mente (um pensamento, imagem, memória ou plano). É essa tonalidade que determina a forma como tendemos a reagir no momento seguinte.

 Poema IX

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.
Alberto Caeiro, in “O Guardador de Rebanhos”

 

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Mindfulness no dia-a-dia

Durante o dia, veja se consegue notar a ‘atração’ em direção a alguma coisa, se for agradável, o ‘afastamento’ se for desagradável e o desejo de preencher quaisquer momentos mais “neutros”. Observe esses impulsos conforme eles vêm e vão, mantendo a sua âncora (pés, assento, mãos ou respiração) em segundo plano e então escolher a melhor forma de responder à experiêcnia ou situação.
 
Lembre-se de que, ao notar o tom da sensação, não está a fazer uma avaliação cognitiva ou julgamento. O prazer/desagrado aparece-nos “imediatamente” enquanto agradável ou desagradável e não há julgamento ou “pensamento” envolvido. Portanto, este é um ato de perceber e não de julgar. Só perceber desta forma, sem ter que reagir, é um ato básico de gentileza e simpatia.
 

Perto do final do dia, reserve algum tempo para permitir que as coisas que aconteceram durante o dia possam surgir na mente. Observe o tom da sensação (o imediato ‘gosto/não gosto’) de cada evento – como o sente agora, é agradável, desagradável ou nenhum dos dois?
Não se trata propramente de pensar na esperiência, mas da melhor forma possível, simplesmente lembrar cada evento do dia, antes de passar para a próxima coisa que aconteceu, permitindo-se ver os acontecimentos do dia com compaixão e bondade.

 

Prática gravada dia 8

Ver os feeling tones ajuda-nos a não ser tão reativos, a atenuar ou libertar-nos dos efeitos do stress e das preocupações do dia-a-dia. Só perceber desta forma, sem ter que reagir, é um ato básico de gentileza e simpatia.

Dia 9 Atitudes que apoiam a nossa prática

Ao cultivar a atenção na meditação formal vamos seguir orientações e dominar “técnicas”, mas as atitudes que trazemos para a nossa prática são tão ou mais importantes. As seguintes qualidades são vistas como alguns dos fundamentos essenciais que podem ajudar o florescimento da nossa prática.

Não julgar – tendemos a julgar constantemente a nossa experiência (como certa ou errada, boa ou má, etc.) e isso pode tornar difícil para nós ver o que realmente está aqui. Trazer uma atitude de não julgamento para a nossa prática permite-nos observar, permitir e estar com tudo o que surge. Isso não significa deixar de lado discernimento e julgamento sobre nós mesmos e o mundo.

Paciência – estar com pressa para obter resultados com a nossa prática tenderá a nos tirar do momento presente e, assim, minar a nossa atenção plena. Uma atitude de paciência nos ajuda a permitir as coisas se desenvolvam em seu próprio tempo.

Mente de principiante – facilmente as nossas crenças sobre o que sabemos atrapalham a maneira de ver as coisas como eles realmente são. Quando trazemos uma atitude mental de principiante, vivenciamos as coisas como se fossem pela primeira vez. Perguntamo-nos “o que realmente está aqui agora?”

Confiança – muitos de nós tendemos a confiar no julgamento de figuras de autoridade e a procurar fora de nós mesmos ‘a verdade’ e orientação. É importante na nossa prática que aprendamos a ouvir os nossos próprios sentimentos e intuições e comecemos a honrar e confiar no que ouvimos. A nossa prática torna-se a nossa professora.

Não-esforço – na nossa vida quotidiana, muitas das nossas ações são realizadas para alcançar algo ou chegar a algum lugar. Em muitas situações, quanto mais tentarmos, maior será a probabilidade de termos sucesso. Essa abordagem tende a ser contraproducente no cultivo de mindfulness e geralmente é mais útil trazer uma atitude de não-esforço à nossa prática. Aprendemos a deixar de tentar fazer as coisas acontecerem.

Aceitação – muitas vezes desperdiçamos muita energia recusando-nos a ver o que está aqui e lutando contra a forma como as coisas são. Na nossa prática de mindfulness, cultivamos a aceitação estando com cada momento como ele é. Isto não significa que tenhamos que gostar ou aceitar tudo sobre nós e o mundo. A disposição de ver e aceitar a realidade de como as coisas são muitas vezes é um primeiro passo necessário antes de tomar medidas que possam levar à mudança.

Deixar ir – quando olhamos para dentro, logo percebemos como a mente quer se apegar ao que é agradável na nossa experiência e rejeitar o que é desagradável. A nossa prática será mais benéfica se aprendermos a abandonar essas tendências e, em vez disso, simplesmente observar, permitir, deixar estar.

Amizade – fazer amizade envolve ser curioso, amigável e gentil, e é uma capacidade que todos podemos desenvolver em relação a nós e à nossa experiência. Está disponível para todos nós e alarga a gentileza e carinho a toda a nossa experiência, seja ela agradável ou desagradável.

Compaixão – todos nós já experimentamos momentos de compaixão quando o coração treme diante da dor, da angústia e do sofrimento, seja nosso ou dos outros; quando podemos estar abertos à vulnerabilidade que faz parte da experiência humana. A compaixão é esta orientação da mente e ainda a capacidade de enfrentar e responder à dor com bondade, empatia, equanimidade e paciência e intenção de aliviar o sofrimento.

Apreciação – Basta apenas um pequeno passo para sair do piloto automático e entrar na consciência para realmente desfrutar de um peça musical, observar as estrelas no céu, a luz do sol brilhando nas folhas, as pessoas que amamos ao nosso redor, uma boa refeição ou tudo o que está bem nos nossos corpos num determinado momento. Esses momentos estão disponíveis para nós o tempo todo, se decidirmos cuidar deles. Eles oferecem um vislumbre de um contentamento mais duradouro.

Gratidão – A maioria de nós tem uma tendência natural a dar bastante atenção ao que está “errado” nas nossas vidas, mas muitas vezes consideramos as coisas boas como garantidas. Gratidão é perceber e trazer uma atitude de gratidão pelos muitos aspetos das nossas vidas que estão bem. Isso pode ser gratidão por coisas aparentemente triviais, como um momento de gentileza que um estranho nos mostra, ou, mais aparentemente, coisas profundas, como um relacionamento amoroso ou a nossa saúde. A gratidão não é sentimental, nem é uma negação do difícil, nem necessariamente fácil. É um treino em que se propõe intencionalmente desenvolver uma mudança da atitude mental.

Generosidade – Esquecemos facilmente que temos o poder de trazer momentos de felicidade e alegria para os outros. Desenvolver o hábito da generosidade é uma ótima coisa a fazer pelos outros e também é muito útil para nós mesmos.
 
 
Adaptado de ‘Full Catastrophe Living’ de Jon Kabat-Zinn e Mindfulness: Ancient wisdom meets modern psychology de Christina Feldman e Willem Kuyken.
 

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CATADORA DE LINDEZAS

Eu venho de lá, onde o bem é maior.

De onde a maldade seca, não brota.

De onde é sol, mesmo em dia de chuva e a chuva chega como benção.

Lá sempre tem uma asa, um abrigo para proteger do vento e das tempestades.

Eu venho de um lugar

que tem cheiro de mato, água de rio logo ali e passarinho em todas as estações.

Eu venho de um lugar em que se divide o pão, se divide a dor e se multiplica o amor.

Eu venho de um lugar onde quem parte fica para sempre, porque só deixou boas lembranças.

Eu venho de um lugar onde criança é anjo, jovem é esperança

e os mais velhos são confiança e sabedoria.

Eu venho de um lugar onde irmão é laço de amor e amigo é sempre abraço, amor e aconchego.

Onde o lar acolhe para sempre, como o coração de mãe.

Eu venho de um lugar que é luz mesmo em noite escura.

Que é paz, fé e carinho. Eu venho de lá e não estou sozinho, sou catadora de lindeza, sobrevivo de encantamento, me alimento do que é bom, do bem.

Procuro bonitezas e bem-querer,

sobrevivo do que tem clareza e só busco o que aprendi a gostar.

Não esqueço de onde venho e vou sempre querer voltar.

Meu lugar se sustenta do bem que encontro pelo caminho, junto a maços de alfazema e alecrim. Assim, sou como passarinho carregando a bagagem de bondade, catando gravetos de cheiro, para esquentar e sustentar o ninho…

Talvez a vida tenha feito você acreditar que este lugar não existe.

Te digo: tem sim, é fácil encontrar. Silencie, respire, desarme-se, perceba, é pertinho.

Este lugar que pulsa amor é dentro da gente, é essência.

Está em cada um de nós.

Basta a gente buscar.

(Rita Maidana)

Mindfulness no dia-a-dia

e tu, o que queres “catar”?

Prática gravada dia 9

Aceleração, stress, ansiedade e inquietação não estão enraizados na mente – uma mente rápida não é um problema. Mover o corpo rapidamente também não é um problema. Necessitamos compreender  quando estamos acelerados, sentir a energia rápida e trabalhar com a nossa respiração para a reequilibrar. 

(Tsoknyi Rinpoche, Porque Meditamos)

Dia 10 o corpo como corpo

assim eu ouvi…

“Bhikkhus (monges), este é o caminho direto para a purificação dos seres, para superar a tristeza e a lamentação, para o desaparecimento da dor e da angústia, para alcançar o caminho verdadeiro, para a realização de Nibbana – isto é, os quatro fundamentos da atenção plena.”

Satipatthana Sutta

Os Quatro Fundamentos da Atenção Plena

” Quais são os quatro? Aqui, monges, um praticante permanece contemplando o corpo como um corpo, ardente, plenamente consciente/ com compreensão clara e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.

Ele permanece contemplando as sensações como sensações, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.

Ele permanece contemplando a mente como mente, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.

Ele permanece contemplando os objetos mentais como objetos mentais, ardente, plenamente consciente e com atenção plena, tendo colocado de lado a cobiça e o desprazer pelo mundo.

Mindfulness no dia-a-dia

Continuidade de consciência nas quatro posturas:
“Novamente, monges, quando caminhando, um praticante compreende: ‘Eu estou caminhando’; quando em pé, ele compreende: ‘Eu estou em pé’; quando sentado, ele compreende: ‘Eu estou sentado’; quando deitado, ele compreende: ‘Eu estou deitado’; ou ele compreende a postura do corpo conforme for o caso.”

Ao acordar podemos começar logo de manhã conscientes de todo o corpo. Antes de iniciar qualquer tipo de atividade durante uns momentos tomamos consciência do corpo deitado na cama. E ao levantar vamos adotar as outras três posturas: sentar, estar de pé, andar. Podemos começar o dia com a consciência do corpo nas quatro posturas, o que nos permite continuar o dia com um bom enraizamento na prática integrada de atenção plena. Ao estabelecer esta fundação, será mais fácil durante o dia voltar à prática. E ao deitar, prestamos atenção à postura na ordem inversa: andar (em direção à cama), estar em pé, sentar e deitar. Tudo isto com atenção plena ao corpo, até adormecermos.

A alegria de estar no momento presente:

“Quando se virava para observar alguma coisa, diz-se que o Buda se virava com o corpo todo. Isto exemplifica uma dedicação total a uma ação. Será que podemos comer ou fazer seja o que for com o corpo todo? Ao estarmos completamente presentes “com todo o corpo”, isso faz-nos sentir mais vivos. E aprendemos a cultivar a alegria subtil de estar no momento presente através de uma prática incorporada de mindfulness.”

Prática gravada dia 10

“O momento presente aqui e agora é o único tempo para mim.”

Dia 11 os elementos

as três marcas da existência

a natureza do corpo

• Anicca: é impermanente, inconstante, instável  (tem prazo de validade) 
• Dukkha: é “insatisfatório” (dores, doenças, envelhecimento) 
• Anatta: Não é eu, meu, ou de ninguém mais.

“Existem três verdades — tradicionalmente chamadas as três marcas da existência: impermanência, sofrimento e ausência de ego. Embora descrevam com precisão as qualidades fundamentais da nossa vida, essas palavras soam ameaçadoras. Frequentemente achamos que há algo de errado com a impermanência, o sofrimento e a ausência de ego, o que equivale a pensar o mesmo de nossa situação fundamental. Mas não há nada de errado com essas características — elas podem ser celebradas. A nossa situação fundamental é prazerosa.”

—Pema Chödrön

Os cinco elementos

Na cultura tibetana os cinco elementos – terra, água, fogo, ar e espaço – são considerados como a própria substância de todos os fenómenos e processos. Os nomes atribuídos a estes elementos são simbólicos e sugerem determinadas qualidades e modos de acção, em analogia com elementos familiares do ambiente natural. Essas qualidades tanto são físicas como psicológicas. A qualidade física da terra é a solidez, a do fogo, o calor, a do ar, o movimento, a da água, a coesão, e a do espaço é a dimensão na qual os outros elementos podem surgir e mover-se. Os elementos estão igualmente relacionados com diferentes emoções, temperamentos, direcções, cores, formas, doenças, padrões de pensamento, etc. Na tradição tibetana, tudo existe pela interacção destes cinco aspectos da energia. Do macrocosmos ao microcosmos, tudo é criado, tudo é sustentado e depois destruído, pela acção destes elementos. No ser humano, os ossos e a carne manifestam o elemento terra, que nos confere a solidez e a firmeza do corpo e é responsável pelo tacto e pela percepção. O sangue e outros fluidos relacionam-se com o elemento água, que confere coesão ao corpo, e é responsável pelo paladar. O metabolismo e o calor corporal manifestam o elemento fogo, responsável pelo crescimento e pelo sentido da visão.

O sistema respiratório, o oxigénio e outros gazes relacionam-se com o elemento ar, e é graças a este elemento que podemos respirar e pensar. O ar é responsável pelo movimento e pelo olfacto. Finalmente, o espaço que o corpo ocupa, a sua relação com outros corpos, assim como a consciência, manifestam o elemento espaço. Sem o elemento espaço, nada poderia existir. É responsável pela audição

 

Segundo Tenzin Wangyal Rinpoché, autor de “Healing with Form, Energy and Light”, pensar em termos de elementos não significa para os ocidentais desistir do moderno conhecimento da Química, da Física, da Medicina e da Psicologia. Os elementos fornecem-nos uma metáfora essencial que ajuda a explicar a dinâmica que está por detrás destas disciplinas. Ao entender esta metáfora dos elementos, podemos perceber que dimensões da experiência aparentemente muito diferentes são na realidade níveis mais ou menos grosseiros ou mais ou menos subtis dos elementos. Um excesso do elemento fogo, por exemplo, manifesta-se nas dimensões, física, energética, mental e espiritual. Estas dimensões não são estanques, mas representações cada vez mais refinadas ou grosseiras da mesma energia fundamental.

Mindfulness no dia-a-dia

EXPERIENCIAR como nos abrimos ou fechamos ao mundo:

  1. Quando imersos nos nossos pensamentos e emoções, larguemos abrutamente esses pensamentos e experienciemos diretamente: ver, ouvir, tocar.
  2. Escolha um objeto que considere atrativo, e olhe-o de uma forma relaxada. Deixe que surjam pensamentos e emoções. Volte a apenas ver. Repita com um objeto desagradável.

Prática gravada dia 11

Viver é deixar ir. E para viver profundamente temos de aprender a soltar profundamente e abraçar o fluir que é o universo.

Dia 12 - fazer amizade com a nossa experiência

“Poderia haver maior milagre do que olharmos com os olhos do outro por um instante?”
Henry David Thoreau
 
Fazer amizade é uma prática para toda a vida, um cultivar que repousa na intenção de trazer uma atitude gentil, amigável, atenta a qualquer e todo aspeto da nossa vida. Treinamos para poder ir ao encontro de qualquer situação, experiência, de qualquer ser que encontremos no nosso dia-a-dia com as quatro qualidades emocionais infinitas que no budismo se chamam Brahma Viharas e numa linguagem secular podemos chamar Quatro Amigos para a Vida. E estes quatro são:

  1. Cuidado e Bondade
  2. Apreciação e Contentamento
  3. Compaixão
  4. Centramento e Equilíbrio

Pode começar enquanto intenção, e com o tempo, o cultivar, torna-se uma prática integrada que flui enquanto uma forma autêntica de ser. É importante lembrar que amizade e atenção vêm juntas. A atenção enquanto prática abre o coração.

Quem escolheria viver numa cabana suja, decrépita, com fendas, à mercê dos ventos e dos temporais? Quem não preferia viver numa mansão com todo o conforto e beleza, rodeado de amigos e felicidade? No entanto, deixamos que a nossa mente habite terrenos inóspitos, moradas agrestes e solitárias e frequentemente descuramos a construção da melhor morada para a nossa mente…

Os “Brahmaviharas” (em Páli) representam “as 4 moradas  (“viharas”)  divinas (“Brahma), cujo significado é: “ o modo de vida dos Brahmas”,“ os nobres modos de vida” ou “viver praticando a bondade”. Também são conhecidos como “os 4 pensamentos ilimitados”, “os 4 estados sublimes da mente”, “ as 4 atitudes sublimes”, etc.

Os Brahmaviharas são um caminho para interagir de forma plena e harmoniosa com os outros seres porque são a resposta para todas as situações que caracterizam a atividade social, assumindo-se como grandes inibidores de tensão, apaziguadores do conflito social e de feridas acumuladas no decorrer da existência. Ajudam a diluir barreiras sociais, a construir comunidades harmoniosas e despertas, a recuperar a alegria e a esperança porventura abandonadas, assim como a promover a fraternidade em oposição às forças e tendências não saudáveis que têm por base a ignorância.

No carro, parado no trânsito.

Parar, continuar, mais parar.

Não se avança.

Sentir-se frustrado, chateado, stressado.

O que é que está a acontecer?

Há um acidente? Trabalhos na rua?

Estou farto de estar parado, no carro.

Quem me dera já ter chegado. Mexam-se!

Faz uma pausa, respira.

Traz a tua atenção para a sensação do teu corpo, sentado, as mãos no volante.

Nota onde estás no espaço.

Nota agora os outros condutores, também parados no trânsito.

Todos a movermo-nos, a parar, a continuar.

Que excelente oportunidade de oferecer amor, bem querer.

Que tu estejas em segurança.

Que sejas feliz.

Que tenhas saúde, bem-estar.

Que sintas alegria, contentamento.

Que estejas em paz.

Que sejas feliz.

Tal como eu e tu procuramos a felicidade, todos os seres, em qualquer lugar procuram a felicidade.

Deseja a todos os seres visíveis e invisíveis desejos de bem querer, amor e bondade, incondicionalmente. Que todos os seres estejam em paz.

Isto é #streetlovingkindness… com Sharon Salzberg, num engarrafamento.

Prática gravada dia 12

“Não caminhes atrás de mim, posso não te guiar.

Não andes na minha frente, posso não te seguir.

Simplesmente caminha ao meu lado e sê meu amigo.”

Albert Camus (?)

Dia 13 - estabilidade e equilíbrio

Equanimidade

Há uma frase célebre no mundo zen: “O Caminho não é difícil para os que não têm preferências” (Sengstan – séc VI-VII) E ainda diz: “a luta pelo que gostamos e o que não gostamos é a doença da mente.” A equanimidade é a qualidade da mente em que nem nos sentimos empurrados para algo que é atrativo nem afastados de algo desagradável. A mente não segue os extremos mas permanece no centro. E pode-se agir a partir desse estado, e na realidade as nossas ações tendem a ser mais equilibradas quando estamos enraizados nesta posição objetiva de equanimidade, em vez de apanhados pela paixão a favor ou contra algo. 

Naturalmente todos temos as nossas preferências e a maior parte do tempo vamos reforçá-las e até achar que dão sentido à vida. Do ponto de vista budista, também estão na base do sofrimento, tanto individual como mundial. O estado de equanimidade é uma forma de experienciar plenamente as coisas sem se deixar apanhar por elas, ou saboreá-las sem apego ou repulsa.

A Equanimidade é por vezes confundida com indiferença ou até passividade. Indiferença pode ser vista como uma forma mais branda de aversão,  a pessoa escolhe afastar-se ou desinteressar-se de um objeto, não estando com o que está no presente. Equanimidade, pelo contrário, pressupõe um envolvimento consciente com o objeto, mas sem entrar no jogo das forças de atração ou repulsão em relação a esse objeto. 

A Equanimidade é cultivada através da prática de mindfulness. Estarmos conscientes sem julgamentos significa estar consciente de um objeto da nossa experiência sem preconceito em relação a uma ou outra coisa, sem favorecer ou opor o que vai surgindo. Pratique uma atitude de “isto é simplesmente o que está a acontecer agora” em vez de “Gosto disto / não gosto disto,” ou “Estou de acordo com isto / não estou de acordo com isto.”

A Equanimidade é um aspeto essencial da prática de Mindfulness. É um estado de curiosidade e abertura. Não significa que não nos importamos com algo, mas sim que esse interesse não é condicionado por preferências. Na meditação, ao notar o fluir dos pensamentos, não os evite nem se deixe arrastar por eles, observe-os com equilíbrio, atenção e completamente consciente.  

Praticar equanimidade

Ao saborear os alimentos, é normal gostar de uns e não gostar de outros.  Experimente então cultivar equanimidade em relação aos diferentes alimentos e sabores. Não significa que vamos escolher comida sem sabor, mas sim que podemos experienciar plenamente os sabores agradáveis ou desagradáveis. 

Prática gravada dia 13

Na tua meditação, se fizer sentido, recorda o que significa sentar consciente com vivacidade e frescura, em completa quietude.

Em silêncio, de instante a instante, senta-te como a montanha.

Meditação da Montanha (adaptada de Ronald Siegel e Jon Kabat-Zin)

 

 

 

 

 

Dia 14 autocompaixão

Os químicos do conforto

O poder da gentileza em relação a si próprio não é só uma ideia simpática. É muito real. Quando nos tratamos bem, estamos a ativar o sistema de conforto dos mamíferos, pela libertação de ocitocina. Estudos mostram que níveis de ocitocina mais elevados aumentam sentimentos de confiança, calma, segurança, generosidade e conexão e também facilitam a habilidade de sentir calor e compaixão por nós mesmos.

Ocitocina reduz o medo, a ansiedade, e pode contrariar o aumento da pressão sanguínea e o cortisol associado ao stresse. Esta ocitocina é libertada em inúmeras situações sociais, por exemplo, na amamentação ou quando os pais interagem com as crianças ou quando alguém dá ou recebe um abraço.

Em vez de nos vermos como problemas a ser corrigidos, a gentileza permite-nos vermo-nos como seres humanos com valor e merecedores de cuidado e conforto.  Ao sentir calor e sentimentos de amizade em relação a nós mesmos, estamos a alterar os nossos corpos e as nossas mentes. Cultivar emoções positivas em relação a nós mesmos permite-nos sentirmo-nos seguros em situações difíceis, de forma a não agir a partir do medo – e sim de um sentimento de abertura  e expansão.

Referência: Autocompaixão de Kristin Neff

 

Daria Petrilli

“Quando começas a tocar o teu coração ou deixar que o teu coração seja tocado, começas a descobrir que não tem fundo, que este coração é imenso, vasto e sem limites. Começas a descobrir o calor e a gentileza que contém, e o seu infinito espaço” (Pema Chodron)

Coração Aberto

Hoje à noite, antes de se deitar experimente um espaço de contemplação.
Explore o que significa para si ter um coração aberto.
Procure um sítio onde se sinta confortável, sente-se e feche os teus olhos.
Dirija a atenção para a respiração. 
E depois de alguns momentos, leve a atenção para o espaço do coração. Imagine que, agora, respira com o coração.
Dá-se conta do seu batimento, do ritmo, reconhece e agradece a sua função. Sente o seu calor, a sua presença.
Agora observe e sinta como seria ter um coração aberto ao:
Amor…
Compaixão…
Gratidão…
Generosidade…
Perdão…
Experiencie um de cada vez. 
Que sensações físicas surgem? Que pensamentos ou imagens vêm à superfície?
Coloque as mãos suavemente sobre o peito e experiencia esse coração aberto. Só existe este momento. É esse coração aberto.
Observe… Sinta… Vivencie…
Permita que esta abertura à vida e a si mesmo se espalhe por todo o corpo a cada respiração.
Ao finalizar pode agradecer a si próprio por se dar este tempo.
E no dia seguinte, ao acordar, recorde as sensações que esta experiência despertou e leva este coração aberto à imprevisibilidade da vida.
Recorde que um coração aberto dá vida à vida.

Este tipo de preocupação compulsiva com “eu, mim e meu” não é o mesmo que amar a nós mesmos… Amar a nós mesmos nos conduz a habilidades como resiliência, compaixão e compreensão, que são simplesmente parte de se estar vivo.

Sharon Salzberg, The Force of Kindness (A Força da Bondade)

Dia 15 - contemplar as marcas de existência

Não tome nada como certo e não acredite em tudo que dizem. Sem ser cético ou ingénuo, olhe para a qualidade viva do Dharma. Reconheça a impermanência, o sofrimento e a ausência de ego em todos os níveis, e seja curioso diante das suas reações. Descubra a paz por si mesmo, e se é ou não verdade que a nossa situação fundamental é prazerosa.” (Pema Chodron)


Ver as três caraterísticas da existência como algo que pode ser reconhecido e celebrado produz uma forma de perceber a realidade. Essa visão surge na medida em que paramos de lutar contra, de nos fecharmos e de nos defendermos e começamos a sentir que é possível compreender, elucidar e libertar, desenvolver uma relação de amizade consigo mesmo e com a qualidade fundamental da nossoa vida. É essa clareza que permite encontrar o mundo de forma mais aberta, que torna a curiosidade, o frescura e o humor possíveis.

Sinto gratidão pelo Buda apontar que aquilo pelo que lutamos nas nossas vidas pode ser visto como uma experiência comum. A vida continuamente vai para cima e para baixo. Pessoas e situações são imprevisíveis assim como todo o resto. Todos conhecem a dor de receber o que não desejava: santos, pecadores, vencedores, perdedores. Sinto gratidão por alguém ter visto a verdade e mostrado que não sofremos por esses tipos de dor por causa de alguma falta de habilidade nossa ao tentar fazer as coisas certas.

Que nada é estático e fixo, tudo é passageiro e impermanente, isso é a primeira característica da existência. Essa é a situação normal. Tudo está em processo. Tudo – todas as árvores, cada folha de grama, os animais, insetos, seres humanos, construções, o animado e o inanimado – está mudando momento a momento. Não precisamos ser místicos ou físicos para perceber isso. No entanto, no nível da experiência pessoal, nós resistimos a esse facto. Significa que a vida nem sempre vai sair como desejamos. Significa que existe perdas e ganhos. E não gostamos disso…

Nós sabemos que tudo é impermanente; sabemos que tudo se desgasta. Ainda que possamos compreender isso intelectualmente, emocionalmente temos uma aversão muito enraizada sobre isso. Queremos permanência, esperamos permanência. A nossa tendência natural é buscar por segurança; acreditamos que podemos encontrá-la. Nós experimentamos a impermanência todos os dias como frustração. Nós usamos as nossas atividades diárias como um escudo contra essa ambiguidade fundamental da nossa situação, gastando tremenda quantidade de energia tentando repelir a impermanência e a morte. Nós não gostamos de ver que o nosso corpo muda de forma. Não gostamos de envelhecer. Ficamos assustados com a pele flácida e enrugada.Usamos produtos para a saúde como se acreditássemos que a nossa pele, cabelo, os nossos olhos ou dentes, pudessem milagrosamente escapar do facto da impermanencia.

Os ensinamentos budistas pretendem que nós nos libertemos dessa forma limitada de relação. Eles encorajam-nos a gradualmente relaxar e a entregar-se de coração a essa verdade óbvia da mudança. Admitir essa verdade não significa que vamos voltar-nos para o lado negro da vida. Significa que vamos começar a entender que nós não somos os únicos que conseguem manter tudo isso. Nós não mais acreditamos que existam pessoas que conseguiram evitar o que é incerto.

Tradução livre de Pema Chödrön, The Places That Scare You: A Guide to Fearlessness in Difficult Times 

 

prática proposta por Pema Chödrön

relembre um acontecimento ou momento que aconteceu ontem ou hoje
contemple como isso se foi para sempre, como se fosse uma vida passada
descanse na frescura da sua consciência sabendo que aquela situação foi para sempre
descanse na frescura, na imediatez da sua consciência agora

traga outra experiência, vividamente, pode ser da semana passada e contemple que foi para semrpe, como um sonho
pode ser tão simples como um jantar, algo bem simples, contemple como já passou e descanse na frescura e abertura da sua consciência agora
 
não pense que entendeu, gere uma curiosidade como uma criança, lembre do dia de ontem e realmente perceba que foi para sempre e reconeta-se com a imediatez da consciência agora

experimente: lembrar, perceber e só descansar

faça essa pratica repetidamente

Prática gravada dia 15

“Quando a nossa mente fica mais calma por meio da prática de meditação, vivenciamos cada vez mais o que está acontecendo, momento a momento. Começamos a ver que a nossa vida — nossa verdadeira vida — é bem mais interessante do que os nossos pensamentos sobre ela.”

—Dzogchen Ponlop Rinpoche, no livro Buda rebelde: na rota da liberdade

Contemplar as três marcas de existência (instruções de Pema Chödrön)

Prática dia 16 - Generosidade

“A meditação também é um tipo de generosidade. Na verdade pode-se dizer que quando meditamos essa é a forma mais elevada de abrir mão, porque estamos abandonando tudo o que surge através dos nossos sentidos. “

Bhante Yogavacara RahulaGenerosidade

“Na verdade, a prática da meditação é a melhor maneira que conheço de cultivar a atitude expansiva da generosidade. […] Quando pratica a perfeição da generosidade na meditação, abre-se, o medo e a ansiedade suavizam e dissolvem-se, e senta-se no meio da grande dádiva da vida ilimitada e imaginativa. […] Deixe-se relaxar e foque a  atenção não tanto nos pensamentos, sentimentos ou sensações, mas no espaço ao redor deles. A mente ou a própria consciência é ampla, sem fronteiras. […] Normalmente está focado nos sentimentos e pensamentos. Agora, mude o seu foco um pouco. Deixe pensamentos e sentimentos deslizarem para o pano de fundo e permita que a espacialidade apareça. Aquietar-se e prestar atenção ao corpo e à respiração vai absorver a ansiedade flutuante que geralmente está na sua mente sem que se perceba. Isso permite relaxar e soltar-se nessa generosa espacialidade. Sente-se no meio dela. Pode dizer a si mesmo: “Isso é a vida: corpo, respiração, consciência. Eu compartilho-a com todos e tudo. Ela sustenta-me e protege-me.”

Roshi Norman Fischer
O mundo poderia ser diferente

Christian Schloe

Dar é uma prática maravilhosa. O Buda disse que quando se está zangado com alguém, a ponto de tentar de tudo e ainda continuar zangado, devemos praticar a perfeição da generosidade. Quando estamos com raiva, a nossa tendência é punir a outra pessoa. Mas ao fazer isso só aumentamos o nosso sofrimento. O Buda propôs que, em vez disso, mandássemos um presente para a pessoa que é motivo de nossa raiva. Quando estamos com muita raiva, não temos a menor vontade de sair e comprar um presente, por isso temos que preparar esse presente enquanto não estamos zangados. A seguir, quando tudo o mais falhar, devemos sair e enviar o presente para a pessoa. Constataremos, para nosso espanto, que nos vamos sentir melhor. Recebemos aquilo que damos. Em vez de tentar punir a outra pessoa, ofereça exatamente aquilo de que a pessoa necessita. A prática da generosidade pode conduzir rapidamente ao bem-estar.

Quando alguém nos faz sofrer, é porque essa pessoa sofre profundamente dentro de si mesma, e o seu sofrimento está se esparramando do lado de fora. Esta pessoa não precisa de mais sofrimento, precisa de ajuda. Essa é a mensagem que está sendo enviada. Se conseguir entender isso, ofereça o que a pessoa precisa – alívio. Felicidade e segurança não são questões individuais. A felicidade e a segurança do outro são fundamentais para a sua felicidade e a sua segurança. Deseje o bem do outro com sinceridade, para que também fique bem.

do livro “A essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh

Prática dia 16

A maior dádiva que podemos dar a alguém é a nossa presença verdadeira. Se amamos alguém, temos que oferercer a nossa presença verdadeira a essa pessoa. Quando damos esse presente, recebemos ao mesmo tempo o presente da alegria. Aprenda a oferecer a sua presença verdadeira através da meditação. Inspirando conscientemente, promova a união do corpo e da mente. “Estou aqui para ti” é um mantra a ser repetido quando praticar essa perfeição.

do livro “A essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh

Prática Como se Abrir (inspirada por Norman Fisher)

Dia 17 - autobondade

A cultura ocidental enfatiza a importância de sermos gentis com os nossos amigos, familiares e vizinhos que estão lutando na vida. Contudo, não nos ensina a adotar a gentileza conosco. Quando alguém comete um erro ou falha de alguma forma, tem mais propensão a bater em sua própria cabeça com um pedaço de pau do que a se abraçar em demonstração de acolhimento. Provavelmente até o pensamento de se autoconfortar parece
absurdo. Mesmo quando os nossos problemas decorrem de forças fora do nosso controle, a autobondade não é uma resposta culturalmente válida. Em algum lugar, ao longo da vida, recebemos a mensagem de que indivíduos fortes devam ser estoicos e silenciosos, capazes de controlar o seu próprio sofrimento – como John Wayne num filme do velho oeste. Infelizmente, essas atitudes roubam um dos nossos mecanismos mais poderosos de enfrentamento quando lidamos com as dificuldades da vida.

A autobondade, por definição, significa interromper o autojulgamento constante e os comentários depreciativos internos que a maioria de nós vê como algo normal. Ela nos obriga a compreender as nossas manias e fraquezas em vez de condená-las. Leva-nos a vermos com clareza os nossos limites para a autocrítica implacável, terminando, assim, a nossa guerra interna.

Mas, a autobondade é mais do que simplesmente parar com o autojulgamento. Também é a nossa capacidade de nos autoconfortarmos de forma ativa, agindo da mesma forma que faríamos com um amigo querido em sofrimento. Isso significa se permitir ser emocionalmente movido pela sua própria dor, parando tudo para dizer: “Está bem difícil agora. Como posso me cuidar e me confortar neste momento?” Com a autobondade, apaziguamos e acalmamos a nossa mente perturbada. Ofertamos a paz, a cordialidade, a gentileza e a simpatia de nós para nós mesmos, de modo que a verdadeira cura possa ocorrer.

 

o livro Autocompaixão, de Kristin Neff

A prática do abraço

Uma maneira fácil de se acalmar e se confortar quando se está a sentirmal é dar-se um abraço suave. Parece um pouco idiota no início, mas o corpo não sabe disso. Ele responde ao gesto físico de calor e de cuidados, assim como um bebê responde quando está seguro nos braços da mãe. Nossa pele é um órgão extremamente sensível. A pesquisa indica que o contacto físico libera ocitocina e proporciona uma sensação de segurança, acalmando as emoções angustiantes e diminuindo o stresse cardiovascular. Então, por que não tentar?

Se você perceber que está se sentindo tenso, chateado, triste ou autocrítico, tente dar-se um abraço caloroso, acariciando com carinho o seu braço ou o seu rosto, balançando suavemente seu corpo. O importante é que você faça um gesto claro que transmita sentimentos de amor, cuidado e ternura. Se outras pessoas estiverem com você, cruze os braços disfarçadamente e, de uma maneira não óbvia, aperte-se com suavidade e de forma confortável. Também pode apenas imaginar que está abraçando a si mesmo se não puder fazer o gesto físico real. Observe como o seu corpo se sente depois de receber o abraço. Será que está mais quente, mais suave, mais calmo? É incrível como é fácil explorar o sistema da ocitocina e mudar a sua experiência bioquímica.

Tente abraçar-se várias vezes ao dia quando estiver a sofrer por um período de, pelo menos, uma semana. Assim, vai começar a desenvolver o hábito de se confortar fisicamente quando for necessário, tirando o máximo dessa forma surpreendentemente simples – e fácil – de ser gentil consigo.

 

do livro Autocompaixão, de Kristin Neff

Prática dia 17

3 componentes:

  1. Bondade/gentileza para consigo – que sejamos compreensivos e amáveis para connosco em vez de agressivos e críticos
  2. Reconhecimento da nossa humanidade comum – todos sofremos! Reconhecer que estamos ligados a todos nesta experiência que é a vida, em vez de desconetados e isolados
  3. Mindfulness – que consigamos estar com a nossa experiência com uma consciência equilibrada, em vez de ignorar a nossa dor ou exagerá-la.

 

 

Dia 18 - a intimidade com o momento

O riacho incansável

através do matagal

e o monge segue-o assobiando

(José Tolentino Mendonça)

A forma mais fácil de relaxar é, primeiro, abandonar a ideia de querer que as coisas sejam diferentes. Permitir a experiência significa dar espaço para o que está a acontecer, em vez de tentar criar um outro estado.  Ao cultivar esta “vontade de experienciar”, repousamos na consciência do que está. Deixamos estar – notamos e observamos o que está. Esta é a forma de nos relacionarmos com as experiências que atraem fortemente a nossa atenção.  Quando as vemos claramente, isso ajuda-nos a não irmos atrás da ruminação ou a tentar evitar ou suprimir o que sentimos. Iniciamos assim o processo de libertação. Abrimo-nos à possibilidade de nos relacionarmos habilmente com a experiência, com compaixão, em vez de reagir automaticamente seguindo estratégias e padrões que obviamente não nos ajudaram até agora.

(Manual MBCT)

Como sempre digo quando falo nessas grandes conferências, atenção plena e compaixão são as ferramentas mais disponíveis, mais baratas e mais eficazes que pode usar literalmente em todos os aspetos da sua vida. E ainda assim, geralmente elas ficam nas prateleiras por algum tempo. Não as vemos como confiáveis. Acho que o que acontece é que muitos de nós acabamos vivendo uma vida caracterizada pelo medo e pela angústia. Acho que podemos fazer algo sobre isso.

Frank Ostazeski

A escrita como prática

Talvez como efeito colateral deste desafio, decidi retomar uma prática matinal que tinha deixado durante algum tempo: as Páginas Matinais.

A ideia das Páginas Matinais (Morning Pages) foi primeiro apresentada por Julia Cameron no livro dos anos 90 The Artist’s Way. A tradução portuguesa é O Caminho do Artista.

A autora apresenta quatro ferramentas para cultivar uma vida criativa:

1. As Páginas Matinais
Antes de todas as tarefas, logo de manhã ao acordar, escrever três páginas usando a técnca da escrita livre. Não são páginas para mostrar a outros. São o nosso espaço privado onde podemos sonhar, resmungar, desejar, atrever-nos… 
2. Encontro com a/o Artista
Uma vez por semana, leve @ jovem Artista (que todos temos) a passear, a divertir-se, a ver uma exposição, um filme, o jardim botânico, a experimentar um novo restaurante… um encontro semanal que encante o nosso artista interior.
3. Caminhar
Duas vezes por semana, vá caminhar. Sem música, telefone, amigos. Pode também experimentar levar uma pergunta consigo. Talvez volte com uam resposta… ou não. 

Ao cultivar estas três ferramentas prepara-se para
4: pedir orientação
Quando temos uma dúvida, uma dificuldade, quando procuramos uma clarificação, uma direção…  podemos escrever a pergunta e escutar.

Prática gravada dia 18

Quando nos sentamos, nunca nos sentamos apenas para nós mesmos. Estamos sempre sentados com e para todos os seres. É claro que a prática tem o benefício de nos permitir abrir, receber e estabelecer intimidade. Mas também serve o mundo e o mundo precisa disso.

Pausar, abrir, permitir, tornar-se íntima (instruções de Frank Ostaseski)

Dia 19 - sonhar a vida

Cultivar aspiração

As grandes professoras e professores sempre nos dizem que é crucial termos a capacidade de imaginar livremente, de aspirar e ter a confiança natural de que qualquer situação pode ser transformada.

Qualquer bodisatva, qualquer grande ser, tem sempre em si uma tremenda fonte de energia. Se ainda não tem uma aspiração, precisa encontrá-la. Devemos sentar-nos com o nosso parceiro ou parceira, com os nossos amigos e amigas, e perguntar sobre os sonhos mais profundos um do outro. E se compartilhar o mesmo tipo de aspiração, o seu relacionamento ficará mais forte. Estamos aqui, vivos, e todos nós queremos fazer algo com a nossa vida. Queremos que a nossa vida seja proveitosa e significativa.”

Thich Nhat Hanh, Zen and the Art of Saving the Planet

No budismo, falamos de quatro tipos de nutrientes: alimentos comestíveis (o que comemos e bebemos), impressões sensoriais (tudo o que consumimos através de nossos sentidos em termos de imagens, sons, música, filmes, websites etc), volição (o que consumimos em termos de nossa intenção mais profunda), e consciência (o que consumimos na energia coletiva ao nosso redor). Todas estas fontes de nutrientes podem ser saudáveis ou tóxicas.

O primeiro dos Quatro Nutrientes a ser contemplado é a “volição”. O que queremos fazer com nossa vida? Temos que nos sentar e investigar profundamente para descobrir. O seu desejo mais profundo é correr atrás de fama, de poder, de sucesso, de riqueza e do estímulo sensorial, ou é algo mais? Para um terrorista, o seu desejo mais profundo é punir e matar. Para um ecologista, o seu desejo mais profundo é proteger o meio ambiente.

Todos nós temos desejos, e os nossos desejos podem ser saudáveis ou insalubres. Podem fazer-nos sofrer ou podem fazer-nos felizes. O nosso desejo mais profundo é saudável ou não?


Thich Nhat Hanh, Zen and the Art of Saving the Planet

 

 

Desejar é abrir-se a um oceano de possibilidades

“Nós não estamos condenados a viver no mundo que herdamos. O mundo é algo que não está pronto. O mundo nós construímos com nossos olhares, com nossos conceitos.”

Lama Padma Santem

 

“Ao desejarmos algo que não temos, buscamos no oceano das possibilidades, no reino do possível, algo que ainda não é realidade mas que poderia ser – desejos, ideais, aspirações. Algo que ainda não está presente a não ser no reino das possibilidades. Mas a realidade não consiste apenas de factos; a realidade consiste também de possibilidades. Se não fosse assim, nada nunca mudaria. Teríamos sempre apenas os factos.”

—Alan Wallace, Vajrayana Institute, 2013 (transcrição e tradução de Jeanne Pilli)

Daria Petrilli

“A primeira coisa a fazer é retornarmos a nós mesmos, para nos redescobrirmos e sermos melhores. Isto é muito importante. Precisamos organizar nossa vida quotidiana de maneira a não permitir que a sociedade nos colonize. Temos que ser independentes. Temos que ser pessoas reais e não apenas vítimas da sociedade ou dos outros.”

—Thich Nhât Hanh

“Há muitos seres que não têm sonhos, não têm nascimento, não têm uma visão mais elevada que norteie suas ações. Se dissermos para um desses seres: ‘Pare e olhe para dentro de você, e veja o que verdadeiramente quer, quais são seus sonhos?’, a pessoa talvez descubra que nunca acreditou que pudesse sonhar. Não há uma operação mental a esse nível. Há pessoas que simplesmente não sonham. É necessário que tenhamos capacidade de ajudar as pessoas nesse nível, para que elas tenham uma visão positiva, uma visão interna. Que elas se vejam e nasçam de forma mais positiva. E que, a partir disso, consigam avançar passo a passo.”

—Lama Padma Samten

“Quando a nossa natureza interior é verdadeiramente livre, encontramos dentro de nós a riqueza de um tesouro: amor, alegria e paz de espírito. Podemos apreciar a beleza da vida, acolhendo cada experiência da maneira como surge, abrindo o nosso coração à vida e desfrutando-a por inteiro. Perceber estas qualidades em nós mesmos é a maior liberdade que pode ser alcançada.

No entanto, quanto dessa liberdade interior nós nos permitimos ter? Quão recetivos somos aos nossos pensamentos e sentimentos mais profundos, à natureza positiva do nosso ser interior? Embora existam momentos em que sentimos essa riqueza interior, frequentemente  fechamo-nos para ela, estimulando em nós sentimentos subtis de insatisfação. Por vezes, nem sequer nos permitimos sentir alegria sem culpa, ou obter satisfação com as nossas realizações sem também experimentar dúvida e ansiedade.”

—Tarthang Tulku

Prática no dia-a-dia

Quando notamos que não temos as qualidades ou a capacidade que é necessária para ajudar os outros, ou que essa capacidade é limitada, ou flutuante, podemos imediatamente fazer algo: aspirar que as qualidades e capacidade nasçam, que se expressem, que cresçam. Aspirar é praticar, e praticar é continuar  (não há limites para a prática da aspiração).

Prática gravada dia 19

Saber que qualquer situação pode ser transformada e cogitar possibilidades amplas para a nossa vida, dos outros e do mundo. Sonhar o futuro mantém-nos em movimento. Sonhos coletivos mantêm as comunidades em movimento.

Lama Padma Santem

Dia 20 - consciência aberta

Como acessar sua consciência e por que meditar é mais fácil do que pensa.
Por  Yongey Mingyur Rinpoche
 
(Texto extraído da palestra TED2022 por Galvani Luppi)

A essência da meditação é a consciência. E o que é consciência? Saber o que estamos pensando, sentindo, fazendo, vendo, ouvindo. Só isso. Portanto, na verdade, meditar é muito fácil, mas muitas pessoas acham difícil. Por quê? Há dois mal-entendidos sobre a meditação. O primeiro é que muitos acham que meditar significa não pensar em nada, parar de pensar, concentração. Estou meditando, fiquem quietos! Então, quanto mais tentamos parar de pensar, o que acontece? Pensamos mais ainda. Então, vamos fazer uma experiência. Agora, por favor, não pensem em pizza. Nada de pizza? O que aconteceu? Na verdade, não precisamos de pensar. Só precisamos nos conectar com nossa consciência.
Um outro mal-entendido sobre meditação é o que chamamos de “entrar em êxtase”. Buscar paz, calma, alegria, relaxar! Quanto mais tentamos relaxar, mais a paz, a alegria e o relaxamento saem correndo.
Então, deixem-me falar da minha experiência. Quando pequeno eu tinha ataques de pânico. Embora tenha nascido bem no meio das montanhas do Himalaia, onde o lugar, a vila era tudo maravilhoso, o pânico me seguia como uma sombra. Eu tinha tanto medo de estranhos, que não conseguia sair e conhecer pessoas. E havia muitas tempestades nas montanhas do Himalaia. Tempestades com trovões, tempestade de neve, e essas tempestades me apavoravam. Quando eu tinha nove anos, pedi ao meu pai que me ensinasse a meditar. Felizmente, ele era um grande professor de meditação. E a primeira coisa que ele me disse foi:” Não tente lutar contra o pânico”.  “Não tente se livrar do pânico”. Na verdade, ele disse: “Você não precisa”. Sabe por quê? A consciência é como o céu na montanha, e o pânico é como uma tempestade na montanha, como uma nuvem.  E, por mais forte que seja uma tempestade, ela não muda a natureza do céu. Então o céu está sempre presente, puro e calmo. Da mesma forma, a qualidade fundamental da nossa mente, a consciência, está sempre presente, pura e calma. O problema é que não sabemos como nos conectar com a nossa consciência. Nós só vemos pensamento, emoção, só isso. Aí ele disse: Há três etapas da prática para se conectar com nossa consciência.
 A primeira: temos de usar um objeto, um apoio para nos concentrarmos com nossa consciência.
Então, essa é uma das primeiras técnicas de meditação que aprendi com meu pai.

Vamos tentar.
Relaxem os músculos do corpo.
Se não conseguirem relaxar, tudo bem. É permitido.
Fechem os olhos e, por favor, ouçam o som. (toca a campânula)
E, quando ouvirem o som, tanto com o ouvido quanto com a mente, isso é meditar. Deixem o pânico vir e passar. Deixem a pizza vir e passar. E talvez duas pizzas, três pizzas, dez pizzas. Contanto que se lembrem do som, podem pensar em pizza. Isso é meditar. Muito fácil. Basta ouvir, só isso. Não precisam fazer mais nada. Se o pânico vier, deixe vir e passar, não liguem.
Então fiz isso, mas eu tinha um problemão. 

O problema era a preguiça. Eu, menino preguiçoso, adorava a ideia de meditar, mas não gostava de praticar.  E fiquei nesse vaivém por cinco anos.  Quando eu tinha 13 anos de idade, ia começar na Índia um retiro tradicional de três anos.  Pensei em participar, pois seria bom para minha preguiça.  Então fui. No primeiro mês, tudo maravilhoso; nada de preguiça. No segundo mês, a preguiça voltou. E, aí, o que aconteceu?  Minha preguiça e meu pânico se tornaram bons amigos. A vida no retiro tornou-se um desastre.  Pensei em desistir, mas fiquei com vergonha de fazer isso, pois tinha dito a todos meus amigos de infância que conseguiria fazer.  Não queria passar vergonha. Mas, se eu ficasse, ainda faltariam quase três anos.  Aí, pensei: “O que fazer?”  No final, decidi aprender a conviver com o pânico.

Agora temos o segundo passo: 
Podemos meditar em qualquer lugar, a qualquer hora, com qualquer coisa. Então, podemos meditar com o pânico. Como fazer isso? Quando vocês ouvem o som, o som se torna o apoio para sua meditação. Agora vamos observar o pânico. Se conseguirem ver o pânico, ótimo. Do mesmo modo, quando vemos o rio, estamos fora do rio. Quando vemos a montanha, estamos fora da montanha. Assim, nossa consciência se torna mais do que o pânico, mais que a depressão, que o estresse, que a mente de macaco, o que for. Deixem vir, deixem passar. Então esse é o primeiro benefício. O segundo benefício é a sabedoria. Quando observamos o pânico, ele não é mais uma pedra sólida. O pânico se transforma em pedaços: uma sensação aqui, uma imagem assustadora, uma voz, uma crença de fundo. E, se observamos qualquer um desses, não conseguimos encontrar o pânico. Assim, o que chamo de pânico se transforma em espuma de barbear: parece uma pedra, mas por dentro é cheio de bolhas. 
Terceiro, o que chamo de aceitação: Auto bondade, amor-próprio, autocompaixão. Deixamos o pânico vir e passar — essa é a verdadeira aceitação, não é? Portanto é três em um: consciência, amor e compaixão, sabedoria. É o que chamo às vezes de “pague um, leve dois”. Ótimo negócio, né? E tudo isso por causa do pânico. Então o pânico se torna seu professor, seu melhor amigo. Fiz essa prática e, no final, eu e meu pânico nos tornamos bons amigos. E, algumas semanas depois, o pânico se foi. Tenho saudades do meu amigo. Terminei meu retiro, e tudo correu muito bem. Aí, fiquei ansioso para compartilhar essa técnica maravilhosa com o mundo. Então, ensinei meditação em muitos lugares, escrevi três livros que se tornaram best-sellers, tive alunos e me tornei abade de alguns mosteiros. E o que aconteceu? Meu ego começou a inflar. Pensei: “Tenho de tomar cuidado com isso”. Daí resolvi fazer algo muito especial, o que chamamos de retiro errante. Significa deixar tudo pra trás e ir para a rua sem nada. Então decidi fazer isso. Em 2011, deixei meu mosteiro, meus alunos, minha cama maravilhosa e aconchegante, tudo, e fui pra rua com apenas alguns milhares de rúpias indianas, que acabaram em algumas semanas. E tive de mendigar por comida. Tive intoxicação alimentar: vômito, diarreia. Eu estava sozinho e na rua, e achei que ia morrer. Aí pensei: “O que fazer?”
 

Agora vem o terceiro passo, o que chamamos de meditação de consciência aberta. Consciência — estar consigo. O céu está com ele mesmo, portanto não precisa de apoio. Apenas seja a própria consciência. Fiz essa prática, e sabem o que aconteceu? Meu corpo começou a se deteriorar. Eu não conseguia ver, não conseguia ouvir, mas minha mente se tornou tão presente, tão livre. E fiquei nesse estado por algumas horas. Por sorte, não morri, voltei. Então, quando voltei, a rua se tornou minha casa. Quando olhava para uma árvore, ela se tornava a árvore do amor. E o vento que soprava em meu rosto se tornava uma experiência alegre. E o resto do meu retiro correu muito bem. Aprendi muito com meu retiro. Assim, gosto de compartilhar a meditação da consciência aberta, mas é muito difícil de explicar. Mas vou fazer algo teatral. Eis o que aprendi com meu pai. Vamos chamar este colar mala de a mente louca do macaco: blá, blá, blá, blá blá. 
A meditação de consciência aberta significa que não é preciso fazer nada. Apenas sejam e estejam. É só isso, e não precisam meditar. É a sensação de estar no presente, de ser, mas não de perda. Sejam livres. Estejam no presente.

Prática gravada dia 20

Quando nos sentamos em meditação, quantos seres se sentam connosco? Ali onde nos sentamos, muitos seres – emoções, pensamentos, memórias, sensações físicas – surgem de momento a momento. No entanto este momento é muito simples. Então por que não cuidar dele com todo o coração? (Katagiri Roshi)

Dia 21 repousar a mente no seu estado natural

Repousar a mente no seu estado natural significa relaxar a mente deixando que os pensamentos, emoções e sensações corporais apareçam e desapareçam de acordo com os seus próprios ritmos naturais. Ao observarmos a mente sem fazermos julgamentos, podemos vir a descobrir que ficamos menos presos aos pensamentos, sentimentos e emoções que vão aparecendo. Para isso, limitamo-nos a observar estes pensamentos, sentimentos e emoções e deixamos que surjam e desapareçam naturalmente, sem nos agarrarmos a eles e sem os empurrarmos. Observamos a mente com uma curiosidade aberta, sem tentarmos manipular ou alterar nada. Ao mesmo tempo, esta prática não é como sonhar acordado, porque ao sonhar acordado ficamos presos nos nossos pensamentos e perdemos a consciência de que estamos a sonhar acordados. O nome técnico para esta “consciência da consciência” que estamos a cultivar é consciência metacognitiva.

Uma metáfora que é frequentemente utilizada para se compreender esta prática é a do céu azul. O céu é o fundo contra o qual as nuvens, os pássaros, os aviões e outros objetos se manifestam, mas este não mostra qualquer preferência por nenhum destes objetos. Não prefere o avião à nuvem ou o arco-íris ao pássaro. O céu não tenta agarrar-se a nenhum destes objetos. O céu não se envolve com nenhum destes objetos. O céu está sempre presente como um recipiente espaçoso no qual estes objetos ou coisas podem emergir e dissipar-se. Esta é a mesma coisa que acontece com os nossos pensamentos, sentimentos e emoções. Se pensarmos na mente como o céu e imaginarmos os pensamentos, sentimentos e emoções que aparecem, como os objetos que emergem no céu, então vamos conseguir observar estes pensamentos, sentimentos e emoções sem ficarmos presos neles.

Tipicamente, quando uma emoção ou pensamento emerge na nossa mente, reagimos de uma de entre duas formas. Ou tentamos empurrá-los para longe porque é desagradável, porque não queremos pensar sobre isso ou sentir isso, ou ficamos presos nessa emoção ou sentimento. Por exemplo, quando estamos a tentar adormecer e um pensamento sobre algo que temos que fazer no dia seguinte surge na nossa mente, esse pensamento desencadeia todo um novo conjunto de pensamentos, sentimentos e emoções. Podemos pensar em tudo o que precisamos de realizar, as consequências de não terminar a tempo e a probabilidade de simplesmente não haver tempo suficiente para ter tudo feito. Isto pode até levar-nos a acreditar que vamos perder o nosso trabalho. Nenhuma dessas coisas é verdadeira, é simplesmente uma proliferação mental impulsionada pela ansiedade. Este medo é muito improdutivo, mas ainda assim enrolamo-nos em pensamentos e emoções o tempo todo.

Consciência emocional não é tentar muito esforçadamente limpar a mente de pensamentos, sentimentos ou emoções. Através de prática, no entanto, pode haver momentos em que todos os pensamentos, sensações ou emoções desaparecem, e ficamos com a pura consciência. Se assim for, é um sinal de progresso. Os benefícios desta prática são reconhecer a amplitude da mente e compreender um sentido de equanimidade em relação aos pensamentos, sensações e emoções que surgem. Ao permitirmo-nos criar um pequeno espaço ou pausa entre a experiência inicial e a reação subsequente ao estado mental, temos mais espaço e tempo para responder de uma forma que pode ser mais benéfica.

(Manual do Programa Compaixão sem Fronteiras)

Sugestão de Allan Wallace:

“Nesses dias em que a sua mente estiver verdadeiramente uma confusão, pode simplesmente deitar-se na cama, com uma almofada macia debaixo da cabeça e soltar completamente a tensão do corpo, a cada expiração, relaxar completamente, deixar o corpo respirar sem esforço, ao seu ritmo natural. Relaxe até bem ao final da expiração e nesse momento deixe a mente bem quieta, sem nenhum blá, blá, blá. E então permita que o ar entre novamente, sem o puxar, em total quietude. Faça isso durante 24 minutos.”

Prática gravada dia 21

Quando tudo está calmo por trás dos meus olhos, eu vejo tudo o que me fez ficar voando por aí em pedaços invisíveis. Quando eu olho demais, isso vai embora. Mas quando tudo está calmo… vejo que sou um pequeno pedaço num universo muito, muito grande que faz as coisas ficarem mais certas.

—A personagem Hushpuppy no filme Beasts of the Southern Wild (Bestas do Sul Selvagem)

Dia 22 - o torpor

Os Cinco Obstáculos são estados mentais prejudiciais que impedem a nossa prática e perturbam a nossa vida. Todos nós experimentamos o quanto o desejo/avidez, a raiva, a preguiça, a inquietação e a dúvida podem dominar as nossas mentes — e, claro, a nossa prática de meditação. Esses estados mentais têm um grande poder sobre nós e podemos mesmo encontrar um prazer perverso em satisfazê-los, o que naturalmente os torna duplamente difíceis de superar.

Um dos objetivos da prática da meditação é perceber como apoiamos os obstáculos e, por meio dessa compreensão, dar-lhes menos força. Vamos a seguir ver como vários professores respondem a perguntas sobre algumas das formas mais comuns pelas quais os Cinco Obstáculos se manifestam na prática e na nossa vida quotidiana.

Entretanto, pergunte a si mesmo/a – há algo que me ajudaria a estar mais presente agora? Talvez seja simplesmente fechar a porta ou uma janela no computador. Dê a si mesmo/a permissão para estar aqui, o mais possível.

Preguiça, Torpor, Tédio

Pergunta: Às vezes eu continuo a participar em algo só porque é confortável, mesmo que eu não esteja a ganhar nada com isso: o meu relacionamento, o trabalho, até a prática de meditação. Existe uma maneira de transformar esses sentimentos de preguiça e apatia em novos interesses, ou são sinais de que realmente estou pronto para uma mudança?.

Resposta de Ajahn Amaro: Refugiamo-nos facilmente no familiar porque gostamos do sentimento de pertencimento que ele traz; no entanto, é imprudente fazer uma mudança automaticamente de cada vez que esses sentimentos surgem. Se apenas adocicarmos a nossa apatia com uma nova situação, nunca chegaremos a nenhum sentimento real de realização.

O Buda recomendou que, para beneficiarmos dos nossos compromissos, precisamos perguntar: “Isso ainda tem algum benefício genuíno para mim e para os outros, aqui e agora, ou apenas mantenho isso por hábito?” Apenas esse simples conhecimento dos verdadeiros efeitos das nossas ações geralmente é suficiente para nos orientar sobre se devemos ou não prosseguir. Se for necessária uma mudança, mudamos a nossa situação, guiados pela atenção plena e sabedoria; se, em vez disso, for necessária paciência, isso também surgirá.


Ajahn Amaro é um monge da tradição Tailandesa (o chamado budismo da Floresta)
Encontram livros gratuitos online aqui

Obstáculos para a prática

O primeiro passo é reconhecê-los, vê-los claramente a cada momento… Ao surgir aversão,
torpor, agitação, confusão, reconhecê-lo imediatamente. Este reconhecimento em si pode ser
o suficiente para ultrapassar estes obstáculos. O reconhecimento leva à tomada de
consciência, mindfulness. E mindfulness não se agarra, não condena, não se identifica com os
objetos. Todos estes obstáculos são fatores mentais impermanentes. Se estivermos atentos a
eles quando surgem, se não nos agarrarmos a eles nem procurarmos ver-nos livres deles,
simplesmente passam. Mindfulness é portanto uma das ferramentas mais poderosas para lidar
com estes obstáculos. Mas em certos casos pode não ser o suficiente, podemos então usar
“antídotos” específicos.

 

Torpor – o antídoto aqui é investigar, penetrar as suas caraterísticas, ou seja, trazer qualidades
de clareza ao processo. Mas se mesmo assim, continua a sentir torpor, pode mudar de
postura, manter os olhos abertos, ou fazer algum tipo de ação que “acorde” – alguns
exercícios de respiração ou movimentos contemplativos (yoga, chi kung) podem ser muito
eficazes. Se mesmo assim, isto não funciona, talvez seja necessário repensar os seus hábitos de
sono e se anda a dormir o suficiente…

Preguiça –  O antídoto tradicional para ultrapassar a preguiça passa por recordar os benefícios
da prática, aprofundar a motivação. Outra técnica a experimentar, é reconhecer os
pensamentos – por exemplo “agora não me apetece” – simplesmente como pensamentos, e
pensamentos não são factos. A mente vai sempre encontrar desculpas, mas não temos de
acreditar nelas e muito menos segui-las.

O antídoto para o tédio é a atenção plena.

Dia 23 - a agitação

Agitação e Preocupação

Pergunta: Mesmo que as circunstâncias da minha vida exterior pareçam estáveis, por dentro estou sempre a questionar as minhas decisões, preocupando-me com o que fiz no passado e o que devo fazer no futuro. A prática sentada traz-me temporariamente para o momento presente, mas assim que saio da almofada, as preocupações voltam à tona. O que posso fazer para evitar isso?.

Resposta de Michael Grady: Para começar, devemos cultivar um relacionamento mais amigável com a nossa mente preocupada, em vez de torná-la uma inimiga. A qualidade de não julgamento da prática da atenção plena permite-nos abrir para estados mentais dolorosos, como ansiedade, sem rejeitar essas energias ou correr para tentar consertá-las. Com essa atitude, podemos então perguntar-nos: “Como posso trabalhar com essa energia de preocupação de uma maneira hábil que me permita entender a sua natureza?”.

A consciência de que a mente está a preocupar-se indica que estamos no caminho certo. Mas é importante não parar neste nível de consciência. Sentimos aversão à preocupação? Reagimos ficando presos noutros obstáculos como desânimo, impaciência ou dúvida? Com a prática — dentro e fora da almofada — podemos começar a sentir o gosto pela liberdade interior que vem quando deixamos de lado as nossas reações habituais de nos agarrar ao prazer e evitar a dor..

Às vezes, porém, estamos tão presos às nossas reações à preocupação que não conseguimos encontrar o espaço mental para observá-la. Nesses momentos, podemos usar meios hábeis para chamar a atenção para o primeiro fundamento da atenção plena: o corpo. Durante a prática sentada, concentre a sua atenção nas sensações que surgem do contacto com o assento ou o chão. Isso ajudará a trazer a mente de volta ao presente e produzirá calma e equilíbrio interior. Essa prática parece tão simples – e é! E, no entanto, trazer consciência para o corpo nos momentos em que estamos experienciando emoções difíceis é muitas vezes a última coisa que pensaríamos em fazer. Com a prática, trabalhar com os pontos de contacto torna-se um recurso muito acessível e confiável para estarmos mais presentes onde quer que estejamos e em qualquer condição

Michael Liebman Grady pratica a meditação Vipassana desde 1973. Ele é professor orientador no Cambridge Insight Meditation Center.

Dica (durante a prática)

Agitação – usar as etiquetas: “isto é agitação”, e aí notar as suas caraterísticas, com curiosidade, e ao verificar que a agitação é um estado temporário, pode relaxar. Se a agitação é um estado que se tornou habitual, pode ser útil fazer alguns exercícios de respiração ou de movimentos contemplativos (yoga, chi kung) antes da prática.

Uma prática para os mais novos (e não só)
 

A pedrinha da felicidade

 

Aqui um guião possível da visualização (que sigo mais ou menos), a que podemos acrescentar a ideia da pedrinha que retirei do vídeo anterior, que contém uma atividade sugerida por Jeanne Siaud-Facchin no livro Tout est là, juste là.

O que ajuda a visualização é tentar usar todos os sentidos. Vamos “enganar” o cérebro para ele pensar que estamos mesmo no sítio em que estamos a pensar.

Se sentirem emoções fortes, isto é normal, respirem…

Permitam-se sentar quietos e descontraídos. Deixem que a respiração se torne natural, confortável. Respirar é uma das ferramentas mais poderosas que temos para influenciar o sistema nervoso.

Agora gostaria que se imaginassem num lugar muito especial. Pode ser um lugar onde já estiveram, na natureza, numa casa, ou um lugar completamente imaginário, um lugar dos contos de fadas, o que gostarem, um lugar onde realmente se sentem em casa.

O importante é que seja um lugar onde se sintam confortáveis e em segurança. E apreciem o cenário com todos os sentidos, escutem os sons, cheirem os aromas, observem as formas e as cores, sintam o ar a acariciar a pele. Sintam o chão, sintam-se em segurança- e observem o que há à vossa volta.

Reparem no que trazem vestido.

O que trazem calçado.

Que altura do ano? Que hora?

Que idade tens?

Estás sozinho ou com outras pessoas ou animais?

Repara nas cores à tua volta

Qual é a temperatura? Está quente, frio?

Nota o que há neste lugar que te faz sentir em segurança e calmo.

Olha à tua volta para perceber se há mais alguma coisa que faria com que este lugar fosse ainda mais confortável e seguro para ti. Talvez falte alguma coisa.

Nota como o teu corpo se sente neste lugar… e sente o quanto aprecias. O quanto é agradável estar nesse lugar especial.

(alguns minutos)

E agora agradece a ti próprio dares-te esse tempo e até podes prometer a ti mesmo que vais voltar, a este ou outro lugar, sempre que precisares.

E quando se sentires pronto, ao teu ritmo, respira mais profundamente duas ou três vezes. Nota o teu corpo, a cadeira, e só quando te sentires pronto, abre calmamente os olhos.

A Paz das Coisas Selvagens

Quando o desespero pelo mundo cresce em mim
e eu acordo durante a noite ao menor ruído
com medo do que pode ser a minha vida e a vida de meus filhos,
vou me deitar onde o pato-do-mato
descansana sua beleza na água, e a grande garça se alimenta.

Eu entro na paz das coisas selvagens
que não sobrecarregam as suas vidas com a antecipação
do sofrimento. Entro na presença da água parada.
E sinto acima de mim as estrelas cegas do dia
esperando com sua luz. Por um tempo
descanso na graça do mundo e sou livre.

– Wendell Berry

Tranquilidade

 
A Terra é linda!
Meninas saltam, esmagando a Terra
E o sol abre um sorriso azul na boca das nuvens…
                                    
                                                    Zé Carlos, 12 anos

Dia 24 - o desejo

Três tipos de desejo
 
Desejo ou tanha em Pali é algo importante a ser compreendido. O que é o desejo? Kama tanha é muito fácil de perceber. Este tipo de desejo é querer prazeres sensoriais através do corpo ou dos outros sentidos e procurar sempre coisas que excitem e agradem os sentidos. Podes realmente contemplar: como é quando tens desejo de prazer? Por exemplo, quando estás a comer, se tens fome e a comida é deliciosa podes manter-te consciente de querer comer mais uma garfada. Percebe essa sensação quando estás a saborear algo agradável e repara como queres mais. Não acredites nisto só por acreditar, experimenta por ti próprio. Não penses que sabes isto só porque sempre foi assim, faz a experiência quando comeres outra vez, saboreia algo delicioso e observa o que se passa a seguir: o surgir do desejo de querer mais. Isso é kama tanha.

Nós também contemplamos a sensação de querer ser algo. Se existir ignorância então, quando não estamos a procurar algo delicioso para comer ou alguma boa música para ouvir, podemos encontrar-nos presos num mundo de ambição e conquista, o desejo de vir a ser. Somos apanhados nesse movimento, nessa luta para nos tornarmos felizes; procuramos formas de enriquecer ou tentamos tornar a nossa vida em algo importante, ao empenharmo-nos para pôr o mundo em ordem. Assim, apercebe-te desta sensação de querer ser algo mais do que aquilo que és neste momento. Escuta o bhava tanha na tua vida: ‘Eu quero praticar meditação para poder ser livre da minha dor. Eu quero tornar-me iluminado. Eu quero ser um monge ou uma monja. Eu quero tornar-me iluminado como pessoa leiga. Eu quero ter uma mulher e filhos e uma boa profissão. Eu quero gozar o mundo dos sentidos sem ter que abdicar de nada e tornar-me num arahant (Ser Nobre)’.

Quando nos tornamos desiludidos com a tentativa de querer ser algo, então surge o desejo de vermo-nos livres de certas coisas. Aí contemplamos vibhava tanha, o desejo de nos libertarmos: ‘Eu quero ver-me livre do meu sofrimento. Eu quero ver-me livre da minha raiva. Eu tenho esta irritação e quero ver-me livre dela. Eu quero libertar-me da minha inveja, medo e ansiedades.’ Nota isto como uma reflexão acerca do desejo de não ser vibhava tanha. Na realidade estamos a contemplar aquilo que dentro de nós se quer ver livre das coisas; não estamos a tentar ver-nos livres do vibhava tanha. Não estamos a tomar a posição de estar contra o desejo de nos querermos ver livres das coisas, nem estamos a encorajar esse desejo. Em vez disso, estamos a refletir ‘É desta forma; é assim que nos sentimos quando nos queremos ver livres de algo; eu tenho de conquistar a minha ira; eu tenho de ver-me livre do meu egoísmo, aí eu serei…’

Podemos observar através desta corrente de pensamentos que querer ser e querer vermo-nos livres estão bastante associados. Mas convém ter em mente que estas três categorias de kama tanha, bhava tanha e vibhava tanha são apenas convenientes métodos para contemplarmos o desejo. Elas não são formas de desejo totalmente diferentes mas sim diferentes aspetos do mesmo.

As Quatro Nobres Verdades, Ajahn Sumedho
 

Pergunta: Desejo sempre o que não tenho: amigos, comida, amantes, bens materiais. Parece que nunca tenho o que quero a qualquer momento, que estou sempre pensando: “E se…?” Como posso aprender a satisfazer este desejo com o que já tenho?.

Resposta de Geri Larkin: A minha experiência sempre foi que é um enorme alívio admitir para mim mesma que sou obcecada pelo desejo de algo. Primeiro, posso parar de tentar tanto fingir que não quero algo que, de facto, quero. Em segundo lugar, na maioria das vezes, algo que considero um desejo dominante é muitas vezes mais um momento de “pensamento ilusório”. Muitas vezes, ver o nosso desejo simplesmente como o que é – um desejo – permite que ele desapareça, ou pelo menos afrouxe o quanto nos agarramos a ele.

As poucas vezes em que isso não funcionou, porém, a gratidão ou a prática de metta deixaram-me sã novamente. Em vez de ser apanhada pelo desejo, eu literalmente começo a listar todas as coisas pelas quais sou grata, começando com o facto de que toda vez que expiro, o meu corpo respira de volta. Noto de repente todas as cores da minha chávena de chá, o som dos pássaros lá fora. Ligo para um amigo, releio um diário antigo para me lembrar de um ex-namorado. Então, às vezes, tento uma meditação de amor-bondade (metta), ou canto, para todos os outros que, como eu, estão presos nos ciclos agridoces do desejo.

Geri Larkin é a fundadora e professora responsável do Still Point, o primeiro templo zen em Detroit. Ela é a autora de Love Dharma: Relationship Wisdom From Enlightened Buddhist Women

Prática gravada dia 24

Dia 25 - a aversão

Há uma história que remonta à época do Buda, encontrada no Meghiya Sutta. Foi assim chamado em homenagem a um jovem monge chamado Meghiya, que era bastante anti-social.

Ele queria praticar meditação sozinho num mangal, mas quando se sentou para praticar encontrou o que muitos de nós encontramos; a sua mente estava girando com todos os tipos de pensamentos egocêntricos, passando da sensação de frustração e raiva ao desejo por coisas que não tinha e, ocasionalmente, permanecendo confuso.

Quando retornou ao Buda, ele confessou sua a dificuldade e recebeu fortes conselhos. O professor Zen Norman Fischer traduziu estes conselhos como: “Cinco coisas induzem à libertação do coração e à paz duradoura. Primeiro, uma adorável intimidade com bons amigos. Em segundo lugar, conduta virtuosa. Terceiro, conversas frequentes que inspiram e incentivam a prática. Quarto, diligência, energia e entusiasmo pelo bem. E quinto, insight sobre a impermanência.”

O Buda prosseguiu detalhando como essas cinco coisas estão todas correlacionadas. Quando passamos tempo com bons amigos, descobrimos que nos sentimos (e a nossa atividade é) mais elevada e virtuosa. Esta atividade hábil inspira-nos a fazer práticas que nos permitem ser mais amigos de nós mesmos, como a meditação. Quanto mais meditamos e vemos os resultados, mais desejamos avançar neste caminho com boa energia e entusiasmo. Quanto mais percorremos o caminho, mais percebemos a natureza da realidade, o que inclui a compreensão da natureza impermanente de todas as coisas.

Este é o aspeto infeliz da amizade; isso acaba. Ou nos separamos de um amigo, há um desentendimento ou (na melhor das hipóteses) ambos vivemos até uma idade avançada e um de nós morre depois de muitas décadas de verdade e ternura compartilhadas. Saber que temos pouco tempo com os nossos amigos nos permite prioritizá-los e fazer com que nosso tempo juntos conte.

Depois de refletir sobre essa verdade simples, encontre uma maneira de prioritizar um amigo hoje. Chame-os. Envie-lhes uma carta. Pelo menos envie uma mensagem. Mas reconheça a beleza dessa amizade no seu coração e aja de acordo com ela. 

 

Pergunta: Muitas vezes me vejo dividido entre atacar alguém e tentar permanecer equânime. Eu sei que é ideal não explodir de raiva, mas às vezes ainda parece a coisa certa a fazer – ou como se fosse “bom” para mim expressar diretamente como me sinto. É certo deixar a raiva aparecer?.

Resposta de Lama Padmen: Quando estamos com raiva, pode ser importante comunicar o que sentimos. Mas como fazemos isso é fundamental. Simplesmente explodir com outras pessoas com raiva não é habilidoso ou gentil. Podemos pensar: “Bem, eles são tão estúpidos que preciso gritar para chegar até eles”. Mas é difícil para as pessoas entenderem o que o outro está a dizer se estiver aos gritos, porque as suas defesas são instantaneamente mobilizadas. Elas ficam tão distraídas pelos pensamentos reativos que passam pelas suas cabeças quanto nós pela força da nossa raiva.

Se nos permitirmos acalmar antes de abordar a situação, podemos deixar de lado a nossa própria defesa e raiva. Como todos nós já experienciamos, não é possível pensar objetivamente quando estamos no meio de uma emoção forte. Precisamos de espaço para pensar com clareza, ver o que realmente está a incomodar-nos e, então, decidir o que realmente queremos — e precisamos — comunicar. Devemos aproveitar a oportunidade para pensar no que está a acontecer dentro de nós mesmos e imaginar o que a outra pessoa pode estar a sentir também. Depois de nos darmos essa distância crítica da situação, é possível articular o que queremos dizer com muito mais precisão e eficácia. Também é mais provável que sejamos ouvidos se pudermos transmitir a nossa mensagem sem acionar as defesas da outra pessoa – ou as nossas.

É compreensível sentir-se melhor imediatamente após uma catarse inicial: despejamos os nossos sentimentos dolorosos no outro. Mas não demora muito para nos sentirmos pior, pois as nossas mentes e corpos enchem-se do veneno da raiva, do ressentimento e, possivelmente, da culpa ou arrependimento. Podemos tentar lidar com esse miasma de sentimentos repassando toda a história nas nossas mentes repetidas vezes, conversando sobre isso com os nossos amigos, justificando a nossa posição e garantindo o seu apoio, planeando o nosso próximo ataque, mas essas estratégias defensivas aprisionam-nos mais ao sofrimento. Quando sentimos que alguém “merece” o nosso ataque de raiva, estamos a entregar-nos a feri-lo para erradicar a nossa própria mágoa – e ferir para se livrar da mágoa nunca funciona..

Sofremos porque não entendemos a abertura da nossa verdadeira natureza. Esta é a ignorância que o Buda ensinou ser a raiz de todo o sofrimento. O esplendor da nossa verdadeira natureza é gerado pela compaixão. As fortalezas que construímos em torno de nós mesmos para ratificar a nossa posição não apenas nos separam da pessoa de quem estamos com raiva, mas também nos separam de nós mesmos. Quanto mais nos separamos da nossa verdadeira natureza, mais sofremos e menos provável é que os outros nos escutem. Se tomarmos o tempo para mudar para um lugar onde possamos realmente descansar em abertura e bondade amorosa, o nosso sofrimento diminui. Qualquer coisa que sentimos que precisa ser comunicada naturalmente será articulada de forma mais eficaz a partir desse lugar.

Lama Padmen é psicoterapeuta licenciada e fundadora da Fundação Sukhasiddhi, com sede em Marin County, Califórnia

Prática gravada dia 25

Talvez todos os dragões da nossa vida sejam princesas que estão à espera de nos ver agir, um dia, com beleza e coragem. Talvez tudo o que nos amedronta seja, na sua essência, algo desamparado que procura o nosso amor.” (Rainer Maria Riker, Cartas a um Jovem Poeta)

Dia 26 - a dúvida

Pergunta: Faço questão de sentar todos os dias, mas ultimamente tenho me perguntado até que ponto me faz bem, além do valor de manter o meu compromisso e os supostos benefícios de passar o tempo em silêncio e sozinho. Como posso revigorar a minha fé na prática?.

Resposta de Sharon Salzberg: Dúvida e fé na nossa prática de meditação muitas vezes surgem e desaparecem dependendo do que usamos como critério para o sucesso. O primeiro passo é tentar deixar de avaliar incessantemente o que está a acontecer na nossa prática. Precisamos estar dispostos a passar por altos e baixos sem desanimar. Quando a dúvida surgir, tente reconhecê-la como dúvida e perceba que é um estado em constante mudança.

Se isso não ajudar, talvez precise buscar esclarecimentos sobre o método de meditação que está a usar e talvez fazer uma mudança na sua prática. Não deve hesitar em perguntar a um professor ou colega praticante sobre isso. Mas, na maioria dos casos, a dúvida é simplesmente um reflexo de nossa impaciência..

Este exemplo às vezes é usado para descrever a prática: é como se estivesse a bater num pedaço de madeira com um machado para dividi-lo. Acerta noventa e nove vezes, mas nada acontece. Então você bate nele pela centésima vez, e ele abre-se. Mas quando estamos a bater na madeira pela trigésima sexta vez, não parece exatamente glorioso.

Não é apenas o ato mecânico de bater na madeira e enfraquecer a sua fibra que cria esse centésimo momento mágico, assim como não é o ato físico de sentar na almofada que leva à realização – embora ambos sejam certamente necessários. É também a nossa abertura às possibilidades, a nossa paciência, o nosso esforço, o nosso humor, o nosso autoconhecimento. Isso é o que estamos realmente a praticar, não importa o que aconteça ou não com os nossos problemas, o nosso humor, a nossa sensação de “estar no momento”.

Sharon Salzberg é uma professora fundadora de Insight Meditation Society em Barre, Massachusetts. É autora de inúmeros livros. 

Esta série de perguntas e respostas sobre praticar com os obstáculos, foi publicada na revista Tricycle – Practicing with the Five Hindrances

A Paz a cada passo.

O sol vermelho brilhante é o meu coração.

Cada flor sorri para mim.

Que verde, que fresco tudo o que cresce.

Que revigorante o vento que sopra.

A paz a cada passo.

O caminho infinito transforma-se em alegria.

Prática gravada dia 26

As cinco qualidades (adaptada da meditação das pedrinhas, de Thich Nhat Hahn)

 

Dia 27 - meditação com os ancestrais

os nossos ancestrais estão vivos em nós

Minha mãe, meu pai, estão em mim,
E quando olho, eu os enxergo em mim,
O Buda, os patriarcas, eles estão em mim,
E quando olho, eu os enxergo em mim,
Sou uma continuação da minha mãe e do meu pai,
Sou uma continuação de todos os meus irmãos e irmãs,
É minha aspiração
Preservar e continuar a nutrir
Sementes de testemunho, sementes de habilidade, de felicidade
Que eu tiver herdado;
É também meu desejo reconhecer
As semente de medo e sofrimento
Que eu tiver herdado,
E pouco a pouco transformá-las,
Sou uma continuação do Buda e dos patriarcas,
Sou uma continuação de todos os meus mestre espirituais,
É minha aspiração profunda
Preservar, desenvolver e nutrir
Sementes de compreensão, de amor, de liberdade
Que eles me transmitiram;
Em minha vida diária também quero semear
Sementes de amor e compaixão
Em minha própria consciência
E no coração das pessoas;
Estou determinado
A não regar sementes de desejo, aversão e violência nos outros,
Resoluto, com compaixão
Esta é a minha aspiração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração,
Possa a minha prática ser uma oferenda do coração.

Thich Nhat Hahn
tradução de Marcelo Abreu (blog Paraserzen), 

Thich Nhat Hahn

Prática gravada dia 27

Inspirando, vejo a presença do meu pai e da minha mãe em cada célula do meu corpo;

Expirando, sorrio para o meu pai e a minha mãe em cada célula do meu corpo.

https://aumagic.blogspot.com/2016/10/nossos-ancestrais-estao-em-nos-thich.html

Dia 28 - aprender a ficar

Por que meditamos? Esta é uma questão que seria sábio levantar. Por que nos preocuparíamos em passar algum tempo sozinhos com nós mesmos?

Em primeiro lugar, é bom esclarecer que meditar não é apenas uma questão de se sentir bem. Pensar que é essa a razão de meditar é preparar-se para o fracasso. Acabaremos por acreditar que quase todas as vezes em que nos sentamos fazemos algo errado: mesmo o meditador mais experiente sente dores psicológicas e físicas.

A meditação acolhe-nos exatamente como somos, com a nossa confusão e a nossa sanidade. Essa completa aceitação do que somos é chamada de maitri, um relacionamento simples e direto com nós mesmos. Tentar consertar-nos não ajuda. Implica luta e autodepreciação.

O autoaperfeiçoamento pode apresentar resultados temporários, mas a transformação duradoura somente ocorre quando nos honramos como fonte de sabedoria e de compaixão. Como disse Shantideva, mestre budista do século VIII, somos muito parecidos com uma pessoa cega que encontra uma joia enterrada num monte de lixo. Exatamente aqui, naquilo que gostaríamos de jogar fora, no que achamos repulsivo e amedrontador, descobrimos o calor e a claridade da bodhichita.

Somente quando começamos a relaxar em nós mesmos é que a meditação se torna um processo de transformação. Somente quando nos relacionamos connosco, sem racionalização, sem aspereza, sem ilusão, é que podemos abandonar os nossos padrões prejudiciais. Sem maitri, renunciar aos velhos hábitos torna-se abusivo. Esse é um ponto importante.

 

Pema Chödrön

(No budismo, bodicita (bodhicitta), “mente da iluminação”, é a mente que se empenha em alcançar a liberação, empatia, compaixão e sabedoria para o benefício de todos os seres sencientes)

A prática é um ato de visão, de fé e de desejo. Significa realizar algo repetidamente, diante de obstáculos e deceções, para atingir o objetivo. A prática é disciplinada, persistente e focada. Como um guerreiro em batalha, aquele que pratica exibe um constante movimento para a frente uma vez que um curso de ação foi decidido. O praticante não permite que a dúvida ou o medo atrapalhem a realização bem-sucedida de um objetivo.

Sempre quis praticar assim. Mas nunca cheguei perto. Eu não tenho esse tipo de unidade. Ou firmeza. Ou aquele sentido direto de direção e sequência. Os meus objetivos geralmente não são claros. A minha rotina é uma treta. Eu tento seguir um padrão e inevitavelmente faço algo completamente diferente.

Eu estava a conversar com uma amiga no outro dia sobre uma viagem que ela fez para a Itália. Ela participou de um evento em que pombos foram soltos na multidão. Na mente dos organizadores, os pombos deveriam voar elegantemente em direção a um ponto final, mas os pássaros se dispersaram, pousando em todos os lugares errados. A multidão começou a murmurar e a mexer-se, olhando ao redor. “Fiasco,” murmuraram uns para os outros. “Fiasco.” 

A minha prática é assim — uma espécie de fiasco. Assim como os organizadores do evento, tenho uma ideia clara de como gostaria que fosse, mas os pássaros estão todos noutro lugar. Ainda assim, existe a liberdade do céu, além dessas minhas ideias, desse sofrimento e decepção. No início, a meditação era uma tentativa de aliviar o meu sofrimento. Numa dose regular, repetida várias vezes, era um antídoto para a confusão e para o meu coração perturbado. Acho que funcionou, mas não como eu esperava. Não retirou a dor, mas ensinou-me a ficar quieta com ela. Eliminou a preocupação desnecessária e mostrou-me a beleza de como as coisas vêm e vão — vazias, como diriam os mestres. Isso mostrou-me que há mais na vida do que os meus pensamentos sobre ela, que os meus sentimentos não eram toda a verdade e que a existência é vasta e interconectada, incluindo muito mais do que eu imaginava.

Mais importante, a meditação cortou a minha orientação dualista, bem como, como as pombas a voar para o lugar certo, o meu desejo de ir daqui para lá, para obter algo que eu achava que sabia, mas na verdade não tinha a menor ideia. A abordagem direta para a prática é meritória. Como diz o anúncio da Nike: “Just do it – faz!”. Fique quieto, acalme a mente, sente-se como a montanha e o céu – estável e indiviso diante de tudo que surge. Abra-se para a parte desagradável, a parte desanimada, a parte de cometer erros, a parte da dor prolongada no coração. O não saber e os acessos de alegria. Torne-se um consigo, ou “um com” a vida. Seja diligente. Receba orientação do seu professor. Lembre-se de ser grato. Não sendo uma praticante muito determinada por mim mesma, atrelei o meu vagão de meditação à direção do meu marido. Ele é que se levantava e ia ao centro Zen todas as manhãs durante anos. Eu acompanhei-o como um cachorrinho que segue o seu dono.

O meu marido apreciava as exigências de longos sesshins [retiros], persistiu no estudo dos koans [perguntas feitas a estudantes de Zen que não têm respostas racionais], ultrapassou os limites pessoais e foi longe. Era ele que se levantava de manhã, enfrentava o frio e encontrar-se com os outros praticantes no zendo [sala de meditação], independentemente da disposição. Eu não tinha a firmeza dele.

Mas eu levantava-me mesmo assim porque o que eu tinha era uma afeição por ele, pelas perguntas no meu coração e por ficar parada quando estava no zendo. Eu meditava há anos, mas não no centro Zen. Por causa desse amor, voltei para a almofada, de volta às minhas perguntas, de volta ao meu coração. Para um pássaro, não há como não estar no céu. Mas até ver isso, imaginamos que poderíamos ter voado de uma forma diferente e melhor. A repetição estava lá, mas nunca em linha reta. Simplesmente voltamos e voltamos de novo, como um pombo bate as asas em direção ao lar. 

Diane Musho Hamilton começou o seu estudo do budismo na Universidade de Naropa e uma década depois tornou-se aluna Zen de Genpo Roshi, de quem recebeu a transmissão do dharma em 2006.

Prática gravada dia 28

“Simplesmente voltamos e voltamos de novo, como um pombo bate as asas em direção ao lar. ” (Diane Hamilton)

Dia 29 - compaixão

A Compaixão pode ser definida como a capacidade de estar atento à experiência dos outros, de desejar o melhor para os outros e de sentir o que realmente servirá aos outros. Ironicamente, num momento em que ouvimos a expressão “fadiga da compaixão” com frequência crescente, a compaixão que estamos definindo aqui não leva à fadiga. De facto, ela pode realmente tornar-se uma fonte de resiliência, pois permitimos que o nosso impulso natural de cuidar de outra pessoa se torne uma fonte de nutrição e não de exaustão.

Desenvolver a nossa capacidade de compaixão permite.nos ajudar os outros de uma maneira mais hábil e eficaz. E a compaixão também nos ajuda. Os resultados de pesquisas recentes sugerem que a compaixão desempenha um papel significativo na redução do stresse fisiológico e na promoção do bem-estar físico e emocional.  (Joan Halifax)

Como disse uma vez a artista Marina Abramovic, “Quando estamos no limite, estamos realmente no momento presente. Porque sabemos que podemos cair.” Porque o perigo de cair nos lembra que o momento presente é o único momento real, o único lugar autêntico para habitar. Quando estamos no limite, não podemos afastar-nos do sofrimento, seja nas nossas vidas internas ou externas. Ali, precisamos encontrar a vida com altruísmo, empatia, integridade, respeito e envolvimento.  E se nos dermos conta que a terra está a desmoronar sob os nossos pés, quando começamos a inclinar-nos para causar mal, a compaixão pode manter-nos firmes nos limites mais elevados da nossa humanidade. E se cairmos, a compaixão pode afastar-nos dos infernos do sofrimento e levar-nos de volta para casa.

(Joan Halifax, À Beira do Abismo)

do Bodhicaryavatara:

No silêncio, quem sou eu?
Quem é esta vida breve?
Existe muito mais do que isso no silêncio.
O coração passa à frente,
A força que me atravessa, que me faz nascer e morrer, eu respiro com essa força
E essa é a força do bodisatva.
O poder imaginativo do bodisatva.
Que está no coração de todas as vidas.
Não só da vida humana, mas de todas as vidas. Dos animais, das plantas, de todas as vidas.

Roshi Norman Fisher

   “Não importa qual a atividade ou prática que procuramos, não há nada que não seja facilitado pela familiaridade e treinamento constantes. Por meio do treinamento, nós podemos mudar, podemo-nos transformar. ” —Dalai Lama

encontro com as amendoeiras
encontro com as amendoeiras

Dia 30 - o ser ecológico

Seres não humanos

Do silêncio, do espaço e em lugares vazios de sociedade, dentro da terra, dentro do mar e dos seres que vivem nessas formas vivas, e da grande atmosfera que envolve o corpo da Terra podem ser ouvidas as vozes dos ancestrais, dos elementos e dos elementais, das plantas e das criaturas, no rugido da água e do gelo, no sussurro e no assobio dos pinheiros, no movimento do gavião, no canto da águia. A voz da natureza pode ser ouvida.

A voz da natureza pode ser ouvida também dentro da cidade, nas estradas, nos aeroportos e nos bairros da lata, dentro de hospitais e escolas, na Disneylândia e em centros comerciais. A tecelagem da natureza não exclui nada de seu tecido, nem mesmo as ideias loucas e destrutivas, criativas e inspiradoras dos seres humanos.

JOAN HALIFAX, The Fruitiful Darkness

SOBRE A ARTE DE TOCAR O MUNDO

● Lembre-se sempre: não podemos ter garantias dos resultados das nossas ações, mas tudo o que fazemos importa. Empodere-se de sua cidadania na grande teia das relações contingentes.
● Não tenha pressa para agir. A gente não tem tempo para ter pressa.
● Dê um passo. Pare. Escute os sons do mundo.
● Fique com as perguntas por um tempo. Por exemplo, “O que a terra onde estão os meus pés deseja de mim?”, “Como posso servir?”, “Como eu quero tocar o mundo?”. Solte. Silencie. Ouça.
● Entenda que não há separação entre as suas aspirações mais genuínas e aquilo que o mundo precisa. O mundo precisa de si lúcida e expressando compaixão.
● A profundidade das ações importa mais do que sua extensão.
● Acredite no poder das pequenas interações. Na verdade, tudo são pequenas interações.

metodologia Work that Reconnects, Joanna Macy

Prática gravada dia 30

“Ao desejarmos algo que não temos, buscamos no oceano das possibilidades, no reino do possível, algo que ainda não é realidade mas que poderia ser – desejos, ideais, aspirações. Algo que ainda não está presente a não ser no reino das possibilidades. Mas a realidade não consiste apenas de factos; a realidade consiste também de possibilidades. Se não fosse assim, nada nunca mudaria. Teríamos sempre apenas os factos.”

—Alan Wallace, Vajrayana Institute, 2013 (transcrição e tradução de Jeanne Pilli)

Bondade amorosa 

 

Prática do livro “Nossa Vida Como Gaia” de Joanna Macy e Molly Young Brown (Na versão em inglês, “Coming Back to Life”)